Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 24, 2008

millÔR

Os livros também 
morrem.

Amigos, romanos, patrícios, emprestem-me seus ouvidos."
(De William Shakespeare, antigo poeta inglês)

De tempos em tempos (não digo quantos) arrumo meus livros. Decidi que minha biblioteca, se posso dar esse nome pomposo às estantes em que meus livros dormem, não vai ser ampliada. Em casa e no estúdio estão os (aproximadamente) 5 000 livros que comprei, ganhei ou roubei. Li todos? E mais alguns? Claro.

Nada demais. Se vocês dividirem os 25 550 dias de leitura, verão que é leitura preguiçosa – um livro a cada três dias. É, li todos. Melhor, 90%. Os outros 10% ou mais foram embora, esquecidos, perdidos, roubados. Toda essa leitura, da qual aprendi ou apreendi apenas 10%, me trouxe a certeza do que é Cultura.

Cultura é a ampliação da nossa ignorância. Quando leio um livro (não falo de romances, na maior parte, mesmo os bons, apenas bobagens), e leio com toda atenção, terminada a leitura entendi ou guardei apenas 10% do que li. E ampliei em 90% o universo da minha ignorância. Isso é cultura. Eu sei o que não sei.

Aliás, quem me ensinou, na prática, o que os livros representam foram dois carregadores portugueses, enormes, que, durante uma mudança, colocavam caixas de meus livros no elevador de serviço. Não me viram. Um deles, o maior, com uma pesadíssima caixa na mão, reclamou pro outro: "Quanta ignorância!". Pensei: "Quanta sabedoria!".

Voltando à "arrumação" dos livros. Como várias já foram feitas no passado, sobra muito pouco pra botar fora. Haja coragem. Mas boto fora. No lixo. No lixo, seu selvagem? É, pois aí, entre a cozinha, o corredor e a garagem, não sobra um livro pro lixeiro. São logoapropriados pela moça que cozinha, pelo faxineiro do corredor, pelo manobreiro atento. Metade dos livros adquire logo uma utilidade, que não teria se eu desse os livros a uma dessas tantas "bibliotecas" humanísticas. Aí levaria um ano até que a burocracia de serviço os limpasse, catalogasse e colocasse em estantes. A maior parte dos livros morreria de abandono.

Da arrumação surgem coisas esquecidas, mal lidas, algumas excelentes, algumas preciosas. Pego aqui Eu no Universo, do médico, professor e membro da ABL (ninguém é perfeito) Silva Mello. Que um dia me esclareceu sobre o começo do incesto – semântico, sim senhor. Só quando se começou a dar nome aos bois, pai, mãe, irmão, irmã, é que começou o incesto. Antes a prática já existia, mas éramos todos animais.

Silva Mello publicou esse livro em 1972. Tinha 82 anos.

É extraordinária a percuciência (!!!) com que ele trata o feminismo, o homossexualismo, a superpopulação, a higiene, a relação sexual, e por aí vai.

Mas a coisa que me desafia, lendo agora, é ele afirmar: "Uma particularidade que nos tem surpreendido muitas vezes é dos negros possuírem, freqüentemente, orelhas pequenas e admiravelmente bem conformadas, jamais tão grandes e feias como as dos brancos, como é, por exemplo, o meu próprio caso, muito ilustrativo".

Fui verificar. (Continua na próxima semana.)

Gancho cultural é isso, novelistas!

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