Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 27, 2008

Miriam Leitão O velho e o novo

As Blazers e picapes da Polícia Federal, com os jovens policiais em preto, corriam na frente e atrás dos carros do Ibama. Eram duas horas de uma tarde calorenta em Paragominas. Meu carro se esforça atrás de todos. O comboio pegou uma estrada de chão, entrou numa madeireira, embrenhou-se mais e parou numa carvoaria. Todos pularam dos carros.

Os policiais se espalharam. Do carro do Ibama, saíram pessoas com máscaras e barras de ferro.

Movimentos ágeis com as barras em pontos certos, e os tijolos dos fornos desabavam. Labaredas e fumaças tornavam a cena mais dramática.

Norberto Sousa tem cara de índio, usa o colete verde do Ibama e tem a segurança de quem conhece o terreno.

Ele é que dá as ordens aos rapazes contratados para destruir os fornos: — Peguem o trator, usem o trator, ponham tudo no chão — diz, enquanto me explica que a carvoaria, que tinha licença para operar 10 fornos, tem 180.

Três pessoas olhavam de longe. Eram funcionários. José João, maranhense, garantiu que tinha carteira assinada, mas só soube contar quanto ganhava por forno que enche e que esvazia.

“Agora vou pra casa”, murmura.

Com as notas fiscais da W.M. Carvoaria para entregar ao Ibama, estava apenas uma pessoa que se identificou como “amigo do gerente”.

— O dono está viajando para Minas, o gerente foi para Marabá e me pediu para ficar aqui — disse.

Os policiais explicam que agentes à paisana acharam as primeiras informações da carvoaria com os fornos excessivos.

O Ibama, para ter sede lá, tem que usar salas cedidas pela prefeitura no parque ecológico da cidade.

Mesmo sem estrutura, Norberto não teme enfrentar até órgãos públicos: — Autuamos o Incra porque ele estava dando licença para derrubar castanheira (árvore protegida) em assentamentos.

Os assentados recebem cesta básica e financiamento do Pronaf para plantar, mas desmatam pois dá mais dinheiro.

Em Paragominas, os assentados e os com muita terra se unem no mesmo crime da produção de carvão ilegal. É uma das cinco cidades que mais produzem carvão para o pólo siderúrgico do Pará e do Maranhão.

Lá eles fazem ferrogusa para exportação.

— Cinco cidades da região produzem sete milhões de metros cúbicos de carvão, e isso consome de 180 mil a 200 mil hectares de floresta por ano. Em muitas carvoarias, eles usam árvores jovens, que cabem nos fornos — conta Norberto.

São destruídos a floresta e o futuro da floresta para se fazer ferro-gusa.

Na parte da manhã, eu e a equipe do programa “Espaço aberto”, da Globonews, tínhamos ido com a PF na madeireira Semadal, que foi multada em R$ 900 mil por ter mais madeira em pátio do que tinha em nota. Lá, ao lado das centenas de toras de jatobá, ipê, maçaranduba, uma montanha marrom de cinco metros de altura parecia um morro qualquer.

Quando pisei, para seguir os policiais, meu pé afundou.

Era mole e não era barro, nem areia (veja a foto desse estranho monte no meu blog). Paulo Amaral, do Imazon, explicou-me que eu pisava num desperdício e na prova de crime ambiental.

— Isso é pó de madeira. É prova de que muita madeira foi cortada aqui. Ao mesmo tempo, poderia estar movendo uma usina de energia.

É duplo desperdício. É prova do uso ineficiente da madeira, que deve ter sido extraída de forma criminosa.

A dona da madeireira que funciona na cidade há 22 anos, Marta Vieira Balestiere, garante que não há nada de errado com sua madeira e sua montanha de pó.

— Tudo é madeira de manejo.

“Manejo” é a palavra mágica.

Como todo proprietário pode tirar 20% legalmente, os madeireiros sempre alegam que estão processando madeira de projeto de manejo, apesar de a cidade já ter destruído 45% da sua área florestal.

A maior parte foi na época do boom da madeira, entre os anos de 1988 e 1992. Os números que Beto Veríssimo, do Imazon, sabe de cor são espantosos.

— Naqueles anos, funcionavam aqui 240 madeireiras, que extraíam 3,5 milhões de metros cúbicos de toras de madeira. Isso dá 1,1 milhão de árvores por ano. Paragominas produzia 15% de toda a madeira do país. Hoje, a produção caiu a um terço: em 2007, foi um milhão de metros cúbicos.

Madeireiras fecharam as portas. Outras estão sendo fechadas pela Operação Arco de Fogo. Mas o preço da madeira subiu. A maçaranduba era vendida por US$ 180 o metro cúbico; agora sai por US$ 500.

O prefeito Adnan Demachki diz que a taxa é declinante e insiste que, um dia, Paragominas será uma cidade verde. O que um grupo de empresários sonha é fazer do município uma cidade de madeira sustentável e com valor agregado.

Um desses empresários é Vitório Sufredini. Tímido, com jeitão do interior, ele fala da sua Expama, empresa de pisos “engenheirados” de madeira, que exporta para os Estados Unidos. Com um investimento de 2,2 milhões de euros, Vitório implantou uma fábrica certificada. Fabricam piso usando 70% madeira de reflorestamento com uma espécie amazônica, o paricá, que cresce mais rapidamente que o eucalipto. Os outros 30% são madeira nobre que o certificador confirma serem de plano de manejo. Na fábrica, tem até câmaras que simulam a umidade relativa do ar da região do comprador.

Os pisos são mantidos lá. Ele vende seu produto por US$ 2,4 mil o metro cúbico; cinco vezes mais do que se fosse vender madeira bruta.

O produto não é aceito no mercado nacional, que prefere madeira maciça e tábuas largas.

O futuro tenta chegar a Paragominas, mas é ainda muito grande a força do passado.

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