Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Confusão na reforma


editorial
O Estado de S. Paulo
27/2/2008

Antes de convencer empresários, sindicalistas e políticos, o governo precisa se convencer, ele próprio, da importância da reforma tributária e das qualidades do projeto elaborado pelo Executivo. Se o presidente da República e seus comandados não mostrarem firmeza e convicção, a nova tentativa de reforma será um novo fracasso: na melhor hipótese, o Congresso acabará aprovando muito menos que o proposto e o resultado será uma coleção de retalhos desconexos. Essa preocupação é justificada pelo desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, nos encontros com dirigentes sindicais e líderes de partidos.

Ontem, no começo da tarde, havia pelo menos três informações diferentes sobre como o Executivo deverá cuidar da redução dos encargos previdenciários sobre a folha de salários. Duas das versões foram apresentadas por importantes figuras governistas - um indício de muita confusão e pouca determinação no encaminhamento de um assunto vital para o País.

Segundo o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, a desoneração da folha de pagamento das empresas continuava na proposta de reforma preparada para envio ao Congresso. Com essa declaração, ele desmentiu as afirmações prestadas por dirigentes sindicais no dia anterior, depois de um encontro com o presidente da República. De acordo com esses dirigentes, Lula havia mandado o ministro da Fazenda repensar o assunto e discuti-lo com mais calma. Os sindicalistas haviam apontado o risco de uma redução dos recursos para a Previdência.

Outra história foi contada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá. De acordo com sua versão, as propostas de redução da carga tributária, incluída a desoneração da folha de salários, terão tramitação separada da do projeto de reforma tributária.

Se isso for verdade, a reforma será mais uma vez fatiada e um dos principais objetivos da mudança, a diminuição dos tributos sobre a produção, será deixado para uma discussão à parte.

A terceira versão foi apresentada pelo líder do Democratas no Senado, José Agripino Maia, depois de encontro com o ministro da Fazenda. De acordo com o senador, o ministro Mantega admitiu não haver no governo, ainda, uma posição definida sobre o assunto - e o próprio ministro confirmou essa versão, horas mais tarde. O assunto, segundo Mantega, continua em debate. “Na primeira provocação dos sindicalistas, ele [O GOVERNO]já recuou e deu uma pausa para pensar”, disse Agripino Maia.

Essa balbúrdia, é bom notar, ocorre em torno de apenas um aspecto da reforma - a desejada redução dos encargos sobre a produção. Mesmo esse aspecto foi discutido, até agora, de modo muito limitado, porque é preciso levar em conta, igualmente, a desoneração dos investimentos e das exportações, aspectos mal explicados do projeto elaborado pelo Ministério da Fazenda. A confusão seria menor se o governo, assumindo a liderança dos debates, houvesse tomado a iniciativa de apresentar todo o projeto à opinião pública, buscando eliminar, por antecipação, as principais dúvidas.

Para isso, teria sido necessária uma exposição muito mais detalhada, com estimativas dos efeitos fiscais das mudanças e indicação de como se buscará o equilíbrio das contas públicas, incluídas as da Previdência. Sem tomar como base das conversações esse quadro amplo, o governo se arrisca, nas consultas a representantes dos vários setores, a enfraquecer e a desfigurar o projeto antes mesmo de se iniciar sua tramitação no Congresso.

O comentário do senador José Agripino Maia parece essencialmente correto, mas apontou apenas parte do problema. No próprio governo, tudo indica, nem todos têm uma clara percepção dos objetivos da reforma. Para se justificar, ela deverá resultar em simplificação do sistema, eliminação da guerra fiscal e desoneração do investimento, da produção e da exportação. Deverá servir, portanto, para destravar a economia, torná-la mais competitiva e aumentar seu potencial de criação de empregos.

Se o governo, em todas as negociações, tomar como referência esse conjunto de objetivos, o risco de produzir uma colcha de retalhos pouco funcional será muito menor.

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