Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 23, 2007

Urgente, uma agenda positiva

Gaudêncio Torquato

A índole bonachona de Papai Noel baixou sobre a figura do nosso presidente. Não nos referimos ao gorro do velhinho barbudo que Lula usou na festinha de fim de ano do Palácio do Planalto, mas ao aceno de paz ao garantir que a planejada reforma tributária de 2008 não embutirá nova CPMF e, ainda, que barrará qualquer tentativa de aumento de imposto. Felizmente, o bom senso de Luiz Inácio repõe a reserva de segurança que seu ministro da Fazenda faz questão de corroer quando abre a boca para discorrer sobre a compensação dos R$ 38 bilhões perdidos com a extinção da contribuição. Ora, se o jogo dos recursos está empatado, eis que o governo, com a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), poderá dispor livremente de R$ 84 bilhões para gastar, Guido Mantega precisa conter a matraca. Na verdade, o governo ganhou a ferramenta de que carecia para calibrar peças da engrenagem administrativa, tapar buracos, contemplar espaços prioritários no tabuleiro político e expandir a massa de manobra. O fator eleitoral, que, ao fim e ao cabo, constitui meta finalista dos detentores do poder, continuará preservado.

Sob essa certeza e inebriado pelo clima de festas, Lula também ensina que o Brasil nunca teve tanto crédito e respeito, sugerindo que o ambiente propício a investimentos alcança um estágio de otimização. Se essa é a disposição presidencial, às oposições partidárias não resta alternativa que a de lhe dar um crédito de confiança e abrir espaços de negociação, na perspectiva de encontrar um caminho sem curvas perigosas que permita ao País avançar sem atropelos. É mais que chegada a hora de se construir um Projeto Brasil, amparado numa base de consenso em torno de programas em áreas prioritárias como tributos, saúde, educação, trabalho, saneamento e segurança pública, entre outros. Quem se dá ao trabalho de vasculhar o acervo de projetos que tramitam nas Casas congressuais encontrará idéias criativas, formulações de bom nível técnico e de razoável viabilidade. Ali, porém, se construiu uma Torre de Babel, ao redor da qual governistas e oposicionistas tentam impor vontades, impedindo fluidez ao processo legislativo.

O primeiro passo a ser dado é na direção do relógio da autonomia e independência dos Poderes. Urge ajustá-lo. O ponteiro do bom senso indica que se deve dar um basta às usurpações funcionais entre os Poderes. A cada um, o que lhe compete. Em vez de abusar de medidas provisórias (MPs), o Executivo precisa substituí-las por projetos de lei com caráter de urgência, reservando aquele instrumento para situações exclusivas de urgência e relevância. O Parlamento, por sua vez, há de estabelecer regras rígidas e transparentes, de forma a evitar, na origem, a utilização indevida de MPs. A polêmica que envolveu o Judiciário, calçada na hipótese de que legisla em matéria política - a questão da pertinência do mandato ao partido ou ao candidato -, teria sido evitada se a Câmara tivesse votado a lei da fidelidade partidária antes do imbróglio. Os magistrados preencheram o vazio, ao argumento de que apenas interpretaram códigos. A juízes, parlamentares e representantes do Executivo, para diminuir as desavenças, bastaria atravessar as pequenas distâncias que os separam na Praça dos Três Poderes.

Definidos os espaços de cada Poder, será mais fácil compor uma agenda positiva, na qual estarão inscritas as prioridades da Nação. O desafio maior será chegar ao equilíbrio entre paixão e razão, necessário para superação de restrições e busca do senso comum. Partidos e integrantes não podem fazer letra pequena do sentido aristotélico da expressão, identificada com a construção do bem comum. Hão de se comprometer com metas e aprovar um calendário de decisões, sem deixar passar em branco um mês de trabalho, como acabamos de ver na Câmara. Se a prioridade do primeiro trimestre de 2008 é a reforma tributária, que haja vontade política para fazê-la. Não se aceitam casuísmos, meias-solas, remendos. Reforma tributária séria requer redistribuição da massa arrecadada pela União, que hoje abocanha 61% das receitas, repassando 24% para os Estados e apenas 15% para os municípios. Daí o estado de mendicância dos entes federativos e o poder de barganha do presidencialismo imperial. Já os programas sociais devem ser apreciados sob os critérios de oportunidade, urgência e abrangência e, ainda, de justiça na distribuição espacial.

Sugere-se, aqui, a idealização de um Brasilbarômetro, à semelhança do Latinobarómetro, banco de dados criado no Chile para acompanhar os avanços da sociedade. Os resultados das políticas governamentais servirão, nesse caso, como sinalizadores para replanejamento das ações governativas. A inexistência de vasos comunicantes entre o Executivo e o Legislativo - como se vê - deságua na luta política sem tréguas e em enormes diferenças de percepção entre os atores. Onde o País mais carece de investimentos? Onde a mortalidade infantil decresce e se expande? O analfabetismo funcional tem diminuído ou continuaremos a ter 25% de brasileiros que lêem, mas não captam os significados da leitura? O Brasil é o quarto país com um dos maiores mercados informais do mundo entre 110 países, representando 40% do PIB nacional. Que projetos no Congresso estão voltados para diminuir a carga de trabalho informal? Se a segurança pública é um dos três principais problemas que afligem a população, o que se pode fazer de concreto para diminuir a criminalidade? É viável a municipalização da segurança pública em municípios com mais de 200 mil habitantes? Essas questões já foram discutidas e, agora, precisam ir ao encontro das soluções. De diagnóstico o País está saturado.

Há, portanto, uma lição de casa por fazer. Envolve maior integração entre os Poderes, a construção de uma agenda mínima no Parlamento, a priorização de temáticas e projetos e o monitoramento do estado social. Que os tempos solidários do Natal apazigúem a luta política e inspirem nossos governantes e representantes a encontrar uma reta nas curvas da política.

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