Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Retrospectiva 2007 | Economia

O campeão do ano na Bolsa


Ronaldo Soares

Oscar Cabral
Eike, em seu quartel-general no Rio: com uma só empresa, ganho de 6 bilhões de dólares desde 2006


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Quadro: O X da questão
abaixo:
Sabor de capitalismo
Entrevista: Carlos Langoni

A trajetória empresarial de Eike Fuhrken Batista alternou feitos memoráveis e fracassos retumbantes. Ele explorou com sucesso a maior mina de ouro e prata da América do Sul, no Chile. Também perdeu muito dinheiro em investimentos aventureiros, como uma fábrica de jipes e uma empresa de entregas pela internet. Com a exuberância do mercado de capitais brasileiro, no entanto, esse empresário de 50 anos se reinventou. Antes mais lembrado como o marido de Luma de Oliveira, a modelo com quem tem dois filhos, o empresário promoveu uma virada em sua imagem. De aventureiro, firmou-se como um empreendedor de peso. Foi Eike (pronuncia-se áique) quem melhor aproveitou a onda de IPOs (oferta pública inicial de ações), que começou em 2004 e atingiu seu auge em 2007. Ele encabeça uma lista da revista Exame com os bilionários que mais lucraram com a febre da abertura de capital. O resultado pode ser atribuído ao desempenho da maior empresa de seu grupo, a mineradora MMX. Quando a companhia abriu o capital, em julho de 2006, seu valor de mercado era de 1,4 bilhão de dólares. No fim de 2007, a cifra atingiu 7,5 bilhões de dólares (veja o quadro). Em um ano e meio, Eike ganhou 6 bilhões de dólares.

No fim de novembro, o empresário deu mais um salto surpreendente. Investiu 1,5 bilhão de reais na aquisição de 21 áreas de exploração no leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Sua empresa, a recém-criada OGX, superou gigantes como a Vale e a Petrobras. Foi a grande vencedora do certame, com quase 75% do total arrecadado. O dinheiro para tal aventura? Há duas semanas, a OGX captou 2,3 bilhões de reais numa operação de emissão privada de ações, conhecida como private placement. Foi a maior operação desse tipo realizada na América Latina. Ela só foi possível com a ajuda de craques recrutados a peso de ouro no mercado – preocupação característica do "novo Eike". Ele tem a seu lado economistas do porte de Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Mendonça, cujo passe foi comprado por um salário de 200 000 reais por mês. Mendonça era gerente de exploração e produção da Petrobras. Virou diretor de exploração na OGX.

Nascido em Governador Valadares (MG), Eike é o segundo dos sete filhos de Eliezer Batista, que presidiu a Companhia Vale do Rio Doce e foi ministro de Minas e Energia. Ele passou a infância no Rio de Janeiro e, aos 12 anos, mudou-se com a família para a Europa. Quando voltou ao Brasil, aos 23 anos, investiu numa mina de ouro na Amazônia. Expandiu seus negócios e fez fortuna com a exploração de minas também no Chile e no Canadá. Até alguns anos atrás, atribuía-se, com certa dose de maldade, seu enriquecimento a uma espécie de herança genética. Corria à boca miúda que, por causa dos laços paternos, ele teria obtido um mapeamento do subsolo brasileiro feito pela então estatal Vale do Rio Doce. "Esse mapa nunca existiu. Se fosse assim, eu estaria dentro de Carajás", diz Eike, referindo-se à mina da Vale no estado do Pará da qual, desde o início de suas operações, em 1984, já se extraiu 1 bilhão de toneladas de minério de ferro. Mesmo seus desafetos, no entanto, reconhecem em Eike um talento fora do comum para atrair investidores estrangeiros para suas empreitadas.

Assim como seu pai, Eike sempre mantém bom relacionamento com o Planalto. Na administração Lula, aproximou-se de José Dirceu, contratado mais tarde por Eike como intermediário junto ao governo de Evo Morales para tentar salvar uma siderúrgica de Eike da sanha estatizante boliviana. Como se sabe, não deu certo. Eike não desistiu da Bolívia, mas dispensou os serviços de Dirceu. No Brasil, mantém o apetite por novos negócios, cada vez mais diversificados. Suas apostas atuais incluem uma empresa de reflorestamento e restaurantes – mantém o chinês Mr. Lam, no Rio, e pretende abrir, no Brasil, filiais do nova-iorquino Nobu, de comida japonesa. Também cogita criar uma empresa de saneamento para despoluir a Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais do Rio. Há duas semanas, ele inaugurou um navio de luxo para passeios na baía. No dia seguinte à inauguração, caiu uma chuva torrencial no Rio. Mau presságio? Pouco importa. O horizonte nunca esteve tão azul para Eike Batista.

Certifica.com

Sabor de capitalismo

Patricia Santos/AE
Dia de glória: cerimônia de lançamento das ações da Bovespa, que levantou 6,6 bilhões de reais



Ainda que o Brasil não tenha se libertado plenamente das amarras que o impedem de avançar mais rápido, o país pôde sentir, em 2007, o gostinho de prosperidade. Não se experimentava uma fase de crescimento tão sólido desde o milagre econômico, há três décadas. Com a inflação domada, os juros puderam cair. Isso estimulou o consumo e os investimentos. Esse ciclo virtuoso se refletiu na bolsa de valores. O Ibovespa (principal índice da Bolsa de São Paulo) acumulou uma alta de 40% no ano. Nenhum outro investimento tradicional chegou perto disso. A rentabilidade equivale ao triplo da registrada pelos fundos de renda fixa. Como gosta de afirmar o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, a bolsa deixou de ser um cassino, como no passado, para se transformar num instrumento dinâmico de financiamento da atividade produtiva no país. "O capitalismo chegou", definiu Armínio. Em 2007, 64 empresas ingressaram na Bovespa e fizeram o seu IPO (sigla para initial public offering, ou oferta inicial de ações). Curiosamente, o maior IPO do ano foi o da própria Bovespa, ocorrido no dia 26 de outubro, que arrecadou 6,6 bilhões de reais. Foi a quinta maior operação do tipo registrada em todo o planeta no ano passado.

A seguir, outros indicadores que revelam o momento mágico pelo qual passa o mercado acionário brasileiro:

• Dois dos dez maiores IPOs feitos em todo o mundo em 2007 ocorreram no Brasil.

• O número de pessoas físicas que negociam ações subiu de 85 000, em 2002, para 328 000 atualmente, respondendo por um quarto dos negócios.

• Nesse mesmo período, os clubes de investimento se multiplicaram de 473 para 2 107.

• Nos últimos cinco anos, o Ibovespa acumulou uma alta de 460%. Isso quer dizer que, se uma pessoa tivesse investido 100 000 reais no início de 2003, ela teria hoje 560 000 reais.

• Entre as ações que compõem o Ibovespa, as que mais se valorizaram foram as da siderúrgica CSN, as do Bradesco e as da empresa de mineração Vale. Quem comprou esses papéis viu seu capital dobrar de valor nos últimos doze meses.

Entrevista: Carlos Langoni
"O Brasil exorcizou
seus fantasmas"


Lucila Soares

Selmy Yassuda

"Esse bom desempenho macroeconômico está se conjugando pela primeira vez com redução da desigualdade e da miséria absoluta"



Carlos Langoni foi um dos primeiros economistas não petistas a dar um voto de confiança ao governo Lula. Mesmo antes da posse, com o mercado ainda desconfiado de que haveria mudanças radicais na política econômica, ele apostava no bom senso do governo, que assumia sob forte descrença. Agora, Langoni faz uma nova aposta. Segundo ele, falta muito pouco para o Brasil conseguir o grau de investimento – o almejado certificado das agências de classificação de risco de que o país é um porto seguro para os investidores internacionais. Ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, Langoni considera 2007 um ano histórico. "Exorcizamos vários fantasmas que assombraram a cabeça do Brasil e de muitos economistas, como a idéia de que era impossível crescer com austeridade fiscal." Em seu escritório no Rio de Janeiro, Langoni deu a seguinte entrevista a VEJA.

Em que se baseia seu otimismo?
No sucesso da política de estabilização, que viabilizou a expansão do crédito e fortaleceu o mercado interno. Neste ano, a expansão do crédito privado foi de 35%. Houve uma revolução nesse setor. Antes o crédito era escasso, pois os bancos preferiam aplicar os recursos que captavam na compra de títulos do tesouro. Agora são obrigados a financiar atividades produtivas, o consumo privado e até mesmo a compra de imóveis pelo prazo de trinta anos, como nunca se imaginara. O total do crédito na economia já atinge mais de 30% do PIB. Tenho citado Greenspan (Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos), invertendo o que ele disse sobre a exuberância irracional dos mercados. O Brasil vive uma exuberância absolutamente racional. O PIB vai fechar o ano em torno de 5,2%, o que dá um crescimento de renda per capita da ordem de 4%. A taxa de investimento cresce o dobro do PIB. Não é um fenômeno episódico. É a evidência objetiva dos benefícios da estabilidade. Estamos na contagem regressiva para chegar ao grau de investimento.

André Dusek/AE
A oposição comemora o fim da CPMF: agora é preciso levar a sério a reforma tributária

A derrota do governo na votação da prorrogação da CPMF e as tentações que daí decorrem não paralisam essa contagem regressiva?
A derrota criou uma dúvida. O mercado ficou nervoso, e, no curtíssimo prazo, isso é um problema. Mas, ao mesmo tempo, é uma oportunidade histórica de fazer um ajuste interno de qualidade, de enfrentar com seriedade a questão tributária. Nos últimos anos, conseguimos um ajuste interno movido principalmente a aumentos sistemáticos de impostos. O que aconteceu com a CPMF é um indicador de que a carga tributária chegou a seu limite. Hoje, o maior entrave ao crescimento são os impostos, não os juros.

O resultado positivo do PIB superou todas as expectativas. Onde foi que os analistas erraram nas projeções?
O desempenho da economia em 2007 exorcizou vários fantasmas que assombraram o país e a cabeça de muitos economistas por décadas. O primeiro é que o Brasil não poderia crescer com juros reais altos. Fechamos o ano com juros reais de 7,5% ao ano, que é um patamar altíssimo. O segundo fantasma era a idéia de que o aperto fiscal limita o crescimento. Crescemos tendo ido além da meta de superávit primário. O terceiro, que o país só cresceria se renegociasse unilateralmente a dívida externa. Em alguns meses a dívida externa líquida será zerada, sem calote algum. E, finalmente, foi por terra a idéia de que a abertura comercial inviabilizaria a indústria nacional. O que se está vendo é que ela resultou em aumento da importação de bens de capital de alta tecnologia, o que é um poderoso fator modernizador da nossa indústria.

Mas estamos mesmo entrando em um novo padrão de desenvolvimento?
Sim, porque esse bom desempenho macroeconômico está se conjugando pela primeira vez com redução da desigualdade e da miséria absoluta. Isso foi demonstrado com muita precisão por estudos do diretor do centro de políticas sociais da FGV, Marcelo Néri, e por Ricardo Paes de Barros, do Ipea. Houve uma redução sistemática na desigualdade de renda a partir de 2001. Basicamente porque a renda dos 10% mais pobres da população começa a crescer em média a uma taxa muito mais elevada do que a dos 10% mais ricos. A isso se soma uma queda acentuada da pobreza e da miséria absoluta, que já era notada desde 1992. A principal explicação é, mais uma vez, o fim da inflação. Começamos a colher os frutos sociais da estabilidade econômica. Outro fator essencial é a universalização do ensino fundamental ocorrida na década de 90.

Houve outros momentos de queda acentuada da inflação – no Plano Cruzado, por exemplo. Qual é a diferença entre este e outros momentos?
No Plano Cruzado, por exemplo, houve um impacto transitório, uma explosão de consumo provocada basicamente pelo ganho de renda resultante da queda rápida de preços. Agora temos as duas coisas combinadas. Você teve a queda da inflação e, ao mesmo tempo, o benefício da acumulação do capital humano. A combinação de inflação baixa com melhoria na qualificação da mão-de-obra começa a reduzir a desigualdade.

Ricardo Stuckert/PR
"Programas sociais de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, tiveram enorme impacto, mas eles não funcionariam em um ambiente de inflação crescente"

Qual é o peso dos programas sociais nessa mudança?
Programas sociais de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, tiveram enorme impacto. Mas eles não funcionariam num ambiente de inflação crescente. Como a transferência monetária do Bolsa Família é relativamente modesta, de 112 reais por família, ela só tem impacto sobre a renda porque a inflação está completamente sob controle. É isso que permite ao país beneficiar 46 milhões de pessoas e gastar apenas 0,5% do PIB. O Bolsa Família faz parte de uma nova safra de políticas de transferência direta de renda. Ele difere dos programas que distribuem alimentos, por exemplo. O México tem bons programas nos mesmos moldes. Mas não acho que o Bolsa Família tenha sido o único fator de redenção da renda.

Quais são os outros fatores?
Houve ganhos reais de salário mínimo desde 2004. O que interessa no caso brasileiro é que isso está sendo feito num ambiente de austeridade fiscal. Não caímos na armadilha fatal de pôr em risco a estabilidade em nome de objetivos sociais. Isso é um fato muito importante, principalmente num ambiente de turbulência externa. É isso que dá ao investidor a garantia de que a estabilidade vai continuar. Quando a gente olha para a expectativa de inflação em 2008, ela está ancorada em torno de 4%, 4,1%. Isso é a confiança de que o BC não vai permitir que a inflação volte. Daí a importância de conferir ao Banco Central a autonomia plena, não apenas operacional.

A pressão desenvolvimentista dentro do governo pode pôr em risco a estabilidade?
A retomada de uma política desenvolvimentista, tal como se deu no passado, seria um enorme retrocesso. Até um paradoxo, pois hoje há um consenso de que a estabilidade é uma conquista da qual os brasileiros não querem mais abrir mão. Todos percebem os benefícios do fim da inflação. É importante que o governo sinalize que não vai abrir mão dessa arquitetura macroeconômica consistente nem cair na tentação de aventuras populistas ou neopopulistas. É uma bobagem imaginar que mais gasto público representa mais crescimento.

Howard Yanes/AP
"Há de fato um histórico de desastres de políticas populistas na história latino-americana. Um exemplo mais recente é a tragédia da Venezuela de Chávez. O país poderia ter um crescimento sustentado, mas desenvolve uma política macroeconômica desastrosa que só se mantém por causa dos preços extraordinários do petróleo"

Mas a gastança está a todo o vapor, não?
Há de fato um histórico de desastres de políticas populistas na história latino-americana. Um exemplo mais recente é a tragédia da Venezuela de Chávez. O país poderia ter um crescimento sustentado, mas desenvolve uma política macroeconômica desastrosa que só se mantém por causa dos preços extraordinários do petróleo. Caminha para uma estatização desenfreada, que vai levar fatalmente à diminuição de investimentos privados importantes. Há outros exemplos da tentativa de buscar atalhos mágicos, de países que caíram na tentação fatal da heterodoxia. Felizmente, no entanto, o presidente Lula tem uma visão muito clara de que não conseguiria atingir os objetivos sociais que procura num am-biente de inflação.

O que se pode esperar no caso de uma mudança radical na política econômica?
Fiz três simulações sobre o que ocorreria com a economia se o Brasil adotasse um modelo econômico populista. Em um ambiente de prosperidade mundial (que não deve ser o caso em 2008), o crescimento brasileiro cairia pela metade. No caso de uma desaceleração suave no mundo, ficaríamos estagnados. Se uma recessão forte se instalasse lá fora, teríamos automaticamente recessão aqui dentro. Em qualquer das três hipóteses, teríamos a volta das expectativas inflacionárias e um salto na percepção do risco-país. Os investimentos privados seriam automaticamente reduzidos. O aumento da inflação provocaria uma queda da renda real e do consumo. Se resistirmos à tentação populista, a inflação continuará sob controle, os investimentos continaurão aumentando (embora em ritmo menor devido à desacelaração da economia mundial). E nós em breve entraremos no time dos países normais. Não é uma questão de discussão acadêmica, é empírica. O Brasil já passou por isso. O presidente Lula não vai cair nessa armadilha.


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