Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 23, 2007

Miriam Leitão Do Nobel ao rodapé

No ano em que o IPCC ganhou o prêmio Nobel e virou nota de rodapé em documento da ONU, a questão climática e ambiental avançou no mundo. Para o bem ou para o mal. O IPCC, o grupo de cientistas que forma o painel de mudanças climáticas da ONU, ganhou, com Al Gore, o Prêmio Nobel da Paz, mas, na última reunião da ONU sobre o clima, em Bali, foi mencionado apenas numa rota de rodapé.

O que os cientistas avisaram ao mundo este ano não é negligenciável. Após seis anos de silêncio, eles disseram que há 95% de certeza de que as mudanças climáticas são fruto da ação da humanidade sobre a Terra. Em todos os três cenários montados, a temperatura média do planeta sobe com uma série de conseqüências assustadoras.

No pior dos cenários, as mudanças são devastadoras.

Por outro lado, avisaram também que parte da tragédia ambiental pode ser revertida se o mundo concordar em dividir o custo econômico dessa mudança.

Por que, então, a mesma ONU que criou o Painel relega a uma nota de rodapé a referência aos estudos? Isso é um retrato do dilema atual em torno das questões climáticas. Elas são dramaticamente importantes e têm sido negligenciadas.

Em parte, porque o sistema de governança da ONU é falho e acaba prisioneiro do intransigente bloqueio do governo Bush a qualquer avanço nesta questão. Enquanto isso, aumentam os riscos de que os cenários do IPCC sejam ultrapassados pela realidade.

Para manter o cenário médio, de uma elevação de dois graus centígrados, é preciso uma queda de 60% das emissões de gases do efeito estufa em relação aos níveis de 1990. O Protocolo de Kyoto propôs redução de 5% e precisou de 10 anos para ser assinado por um número suficiente de países para entrar em vigor. Mesmo assim, como se sabe, nunca foi efetivo por não ter tido a colaboração do maior e mais agressivo dos emissores de gases, os Estados Unidos.

Este ano, ficou mais uma vez claro que há dois trilhos no mundo: de um lado, as evidências científicas do fenômeno e dos riscos, que andam rapidamente; de outro, os consensos diplomáticos e políticos, que pouco ou nada avançam. Há um terceiro trilho, o da consciência dos habitantes do planeta. Pesquisas de opinião mostram que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o tema.

Os eventos climáticos atípicos estão se tornando mais freqüentes. Em 2007, aumentou a intensidade do degelo da Groenlândia, houve recordes de alta de temperatura nos Estados Unidos, e o derretimento da Antártica se agravou. O noticiário foi ocupado por notícias sobre os riscos do aumento da temperatura da Terra e da elevação do nível do mar.

O aumento da preocupação já é um sinal de que a mensagem dos cientistas está chegando ao endereço certo. São os eleitores que farão a necessária pressão sobre os governantes que ainda vivem entre a negação e a ambigüidade em relação ao assunto. Na Austrália, a negação do governo de John Howard de fazer alguma coisa a respeito foi um dos temas da campanha que levou Kevin Rudd a derrotar o conservador.

Howard, outrora poderoso, perdeu até a cadeira que tinha no Parlamento há 33 anos. Kevin Rudd anunciou, como uma das primeiras medidas, a adesão a Kyoto e a todos os esforços internacionais para deter o aquecimento global.

Nos Estados Unidos, o governo Bush está chegando ao final vendo até os précandidatos do Partido Republicano defendendo medidas de combate ao aquecimento global. Pudera. As várias pesquisas de opinião pública mostram o avanço do tema nas mentes dos americanos. A Universidade de Stanford constatou que dobrou o percentual de americanos que dizem que a mudança climática é o mais importante problema ambiental do mundo. Ainda são apenas 33%. Mas eram 16% em 2006. Outras pesquisas deram sinais mais claros. A Fox News constatou, em fevereiro, que 82% dos americanos acreditam que o fenômeno do aquecimento global existe; o jornal “Washington Post” e a Universidade de Stanford constataram, em abril, que 94% querem fazer alguma coisa para ajudar a proteger o meio ambiente e 80% fariam até se isso significasse algum sacrifício para as suas vidas; a CBS e o “New York Times” verificaram, também em abril, que 52% gostariam que esse tema fosse alta prioridade para os governantes. São várias as pesquisas mostrando o avanço da consciência sobre o problema na economia mais consumidora de combustíveis fósseis do planeta. O petróleo acima dos US$ 90 dá força econômica à tendência. O controle democrata sobre a Câmara dos Deputados mostrou uma mudança importante: os deputados trocaram o “se”, pelo “quando”, ao tratar das medidas de redução das emissões dos gases de efeito estufa. Uma lei já foi aprovada.

O Brasil continuou com suas ambigüidades. Foi o ano em que o presidente Lula garantiu ao mundo que não se produz cana-de-açúcar na Amazônia, o ministro da Agricultura defendeu cana na Amazônia, e o Ministério do Trabalho flagrou trabalho escravo numa fazenda de cana-de-açúcar na Amazônia. Foi o ano em que o Ministério do Meio Ambiente começou a pôr em prática seu projeto de concessão de áreas de floresta, em que se desmataram “apenas” 11 mil km², mas com sinais antecedentes nos satélites de que o desmatamento voltou a subir após cinco anos de queda.

Foi o ano em que se iniciou a nova fronteira de construção de hidrelétricas, as instaladas nos rios da Amazônia.

Nos próximos anos, a floresta continuará sendo o coração do nosso dilema ambiental.

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