Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 23, 2007

João Ubaldo Ribeiro

A reforma tributária num boteco do Leblon


- Você vê como são as coisas. Antigamente, no Natal...

- Deixa desse negócio de antigamente, cara, tu tem mania de antigamente. Eu sabia que ia pintar antigamente no papo de hoje, em todo papo de Natal pinta sempre essa conversa. Tudo bem, mas antigamente é antigamente, não adianta nada falar sobre antigamente, antigamente já era, era antigamente, foi antigamente. Sem essa de antigamente, não serve pra nada.

- Não concordo, até bons exemplos a gente pode tirar de antigamente.

- Toda vez que alguém me fala em antigamente, tu sabe o que eu lembro? O dentista! Quem foi ao dentista antigamente não precisa conhecer o inferno! O dentista! E tem mais! Os purgantes! Tu já tomou óleo de rícino? Tu...

- Tá legal, tá legal, não vou bater boca com você logo no Natal, tá legal. Mas tu hoje tá exaltado, hem, cara, que é que é isso.

- Tu conhece meu genro, tu não conhece?

- O Fred? Claro que conheço, por sinal nunca mais apareceu. Alguma coisa com ele? É um rapaz ótimo, não me diga que...

- Não, tudo bem. Saúde, essas coisas, tudo bem. Ele não aparece porque anda duro, fica com vergonha de me verem pagando o chope dele, é um rapaz de caráter.

- Chato, chato, é chato mesmo.

- É, mas tudo bem, ele se vira em todas e tem o salário da Cininha, que é uma merreca, mas segura um pouco a barra. Mas agora tu não sabe, tu não pode imaginar. Tu sabe aquele carro dele?

- Eu sei, aquele Santana conservadão que ele tem. Vai ter que vender? O valor é estimativo, ninguém vai chegar nem perto do valor que ele dá.

- Não é nada disso, cara, você não pode imaginar. Ele vai tomar um empréstimo pra pagar o IPVA.

- Tu tá de porre. Ele vai no agiota pegar grana pra pagar o IPVA?

- No agiota, não, no banco. Bem, é a mesma coisa e o agiota pode sair até mais em conta, aqui acontece tudo.

- No banco? Quer dizer, ele vai tentar numa financeira pegar uma grana pra pagar o IPVA, é isso que você quer dizer?

- Não, não, ele vai pegar um empréstimo vinculado ao IPVA mesmo.

- Isso não existe! Linha de crédito pra imposto? Tu tá de porre.

- Não sei se já tem, mas ele leu no jornal que vai ter. Pra IPVA, pra IPTU, pra herança, pra tudo. Ninguém tem dinheiro pro imposto e aí emprestam para o cara pagar.

- Cara, onde já se viu tomar dinheiro em banco pra pagar imposto?

- Onde já se viu eu não sei, mas aqui vai se ver. Ele disse que estava tudo explicadinho no jornal. E já me deu até uma idéia. Você sabe, todo ano esse negócio de festa de Natal, que sempre foi tudo jogada do comércio desde o tempo em que tu acreditava em Papai Noel, todo ano a despesa aumenta.

- É, antigamente...

- Antigamente não!

- Tá legal, no meu tempo se dizia "pra quem é, bacalhau é luxo", um negócio assim, bacalhau era comida de pobre. Hoje em dia...

- Eu sei, eu sei. Mas não é isso o que quero dizer. O que eu quero dizer é que cada dia Natal fica mais caro, é neto novo, nora nova, ex-nora nova muito boazinha, ex-genro novo, um monte de parentes e ex-parentes novos, todo ano eu penso em desaparecer nessa época, cada vez penso mais.

- Eu sei como é e ainda tem os aderentes, o panetone dos porteiros...

- Não pode mais o panetone dos porteiros, é politicamente incorreto. O que eles ganham de panetone dava pra abrir uma loja, nenhum deles quer mais nem ver panetone, tem que ser uma coisinha mais caprichada. Mas, de qualquer forma, o que quero dizer é que me deu uma idéia nova, acho que vou lançar essa idéia.

- Por que não guarda essa idéia e vende? Aqui a gente tem mania de que as idéias não valem nada, tem que fazer como os americanos, que vendem as idéias, uma boa idéia é grana.

- Lá nos Estados Unidos. Aqui não adianta, que todo mundo pirateia. Além disso, já tou muito velho para sair vendendo idéias e, pra te ser sincero, a idéia é diabólica. É o seguinte: tu tem renda pra pagar teu imposto de renda?

- Ainda tá dando, ainda tá dando. Eu tenho um vizinho que transa bem declarações e, podendo, eu sonego, confesso que, podendo, eu sonego uma besteirinha. Esses caras pegam o dinheiro da gente e...

- Mas que tal esta minha idéia? O governo lança um novo programa, o empréstimo de renda, ou seja, o empréstimo para quem não tem dinheiro para pagar o imposto de renda! Basta passar no Banco do Brasil ou na Caixa. O governo ia gostar da idéia, porque não só ia pegar o dele em dia como ainda dava um jeito de pegar mais um bocadinho e ainda podia dar a colher-de-chá de fingir que você podia abater seu empréstimo no próximo imposto de renda!

- Mas assim era um nunca-acabar, já imaginou? Você pagava o imposto, ficava pagando o empréstimo, vinha novo imposto, mais empréstimo, não ia acabar nunca.

- Mas ninguém vai mais poder dizer que não tem dinheiro pra pagar os impostos. Já posso ouvir Lula falando: não paga imposto quem não quer, é só levantar o rabo da cadeira e procurar um banco. Pode anotar, é isso que vai acontecer, eles são muito criativos. E eu sou um gênio, já bolei a reforma tributária que eles ficaram de fazer no próximo ano, pode apostar que é isso.

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