Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 31, 2007

Comendo no prato em que cuspiram

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Folha de S.Paulo


As regras de leilões de 3G e os altos ágios foram os mesmos de há dez anos, só que desta vez não houve denúncias

ESCREVO hoje minha última coluna de 2007. Peço ao meu leitor que me permita um desabafo, colocando para fora um sentimento que me acompanhou solitário neste ano que agora termina. A gota d'água que fez transbordar minha indignação foi o resultado do leilão de licenças para explorar a chamada terceira geração da telefonia celular. Um sucesso incrível, com uma disputa acirrada entre as empresas privadas que já operam no Brasil. A intensa disputa levou a ágios expressivos em relação ao preço mínimo fixado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e rendeu quase R$ 6 bilhões para o Tesouro Nacional. Lula não perdeu tempo para se pavonear desse sucesso de seu governo.
A exploração do serviço celular nos moldes mais avançados da tecnologia disponível -chamada de 3G- abre um período de significativos investimentos na área das telecomunicações. A criação de novos serviços e o desenvolvimento de produtos mais sofisticados abrem um novo espaço para que o governo arrecade mais impostos e para que os brasileiros encontrem novas possibilidades de emprego em setores de altos salários. A sociedade como um todo vai ganhar com essa nova fronteira econômica e tecnológica que se abre diante de nós.
As regras dos leilões dos celulares 3G seguiram os padrões estabelecidos em 1997 e 1998 pelo governo Fernando Henrique Cardoso e seu ministro Sérgio Motta. Exploração privada de freqüências de telecomunicações, obedecendo as cláusulas pétreas da concorrência e da universalização dos serviços. Nenhuma mudança em relação ao roteiro que presidiu a privatização do monopólio estatal da antiga Telebrás. Inclusive o mecanismo de colocar em uma mesma licença regiões mais pobres e mais ricas é o mesmo usado dez anos antes.
A única diferença de agora é que não ocorreram as denúncias de entrega de serviços públicos à sanha dos interesses privados. Também estiveram ausentes as milhares de ações populares e civis, patrocinadas por sindicatos e líderes de movimentos sociais ligados ao PT, contra a "entrega do patrimônio público".
Até a grande mentira que ainda é repetida hoje sobre os preços de banana está embutida nos valores pagos pelas concessionárias privadas agora. Os ágios elevados seriam -na linguagem de uma década atrás- uma prova de que os preços mínimos estabelecidos eram baixos demais.
Uma observação que precisa ser lembrada aqui é que nos leilões de agora o Brasil já tem um mercado de celulares conhecido e representado por mais de 135 milhões de terminais em operação. Em 1997 e 1998, quando a privatização foi realizada, os celulares eram apenas símbolos caríssimos de status e o potencial desse mercado ainda era uma grande incógnita. Com a passagem de um monopólio estatal para um sistema com intensa competição e regras draconianas de universalização forçada, introduzia-se uma incerteza muito grande para que os interessados pudessem avaliar os preços a serem pagos nos leilões. Mesmo assim, ocorreram ágios expressivos e intensa disputa pelas 12 empresas privatizadas.
A privatização da Telebrás, demonizada até hoje na oratória petista, foi a origem do sucesso desse grande programa de modernização do nosso setor de telecomunicações de massa. A entrada em serviço, agora no governo Lula, de um novo padrão tecnológico, é apenas mais uma etapa dessa caminhada corajosa iniciada dez anos atrás.

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