Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 25, 2007

O GLOBO ENTREVISTA Luiz Inácio Lula da Silva

Gastar é preciso
Lula diz que sem contratar não dá para melhorar o serviço público e prega ousadia


Com a irritação de um apaixonado torcedor e se queixando do desempenho da seleção brasileira no jogo da noite anterior contra o Uruguai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizia repetidas vezes, na quinta-feira de manhã, que sem ousar, arriscar, não se faz gol.
— A palavra de ordem deveria ser: pegou bola fora da área, mete ela pro gol. Mete. Chuta dez, uma entra — disse antes de começar a desfiar, na entrevista de uma hora e 15 minutos ao GLOBO, números sobre a economia, e reafirmar a convicção de que sem aumento de gastos públicos não consegue governar. — Se fosse possível fazer a máquina funcionar diminuindo dinheiro, seria ótimo. Munido de folhas de papel com dados, Lula poucas vezes precisou consultá-los — cita-os praticamente todos os dias. Estava acompanhado, à mesa, por dois assessores. E um terceiro, à distância.

Ao longo da entrevista, gravada por uma equipe de TV da Radiobrás, o presidente tomou um café expresso, fumou duas cigarrilhas e encerrou com um copão de chá verde (a última moda no gabinete presidencial). Evocou Deus dezenas de vezes, inclusive quando falou da descoberta da Petrobras, tão badalada por sua “sombra”, como ele mesmo definiu a ministra Dilma Rousseff. O compromisso seguinte de Lula, naquela manhã, era a reunião do Conselho Político. A última com a participação do então ministro Walfrido dos Mares Guia, acusado pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro e peculato no valerioduto tucano. No início da entrevista, Lula fez uma introdução livre e disse que 2008 terá, talvez, um Natal nunca antes visto neste país. Na retrospectiva do primeiro mandato, afirmou: — Tínhamos que aproveitar o momento em que o governo tinha muita credibilidade política para fazer o arrocho, porque assim poderíamos dar uma chance ao Brasil. Estamos prontos para o passo seguinte.

Sergio Fadul, Diana Fernandes, Luiza Damé e Luiz Antônio Novaes

O GLOBO: O arrocho não é mais necessário?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: Não é. Já foi todo feito, enquanto arrocho; enquanto outras políticas e reformas, vamos continuar fazendo. Anunciamos um conjunto de programas que vão desabrochar a partir de fevereiro ou março de 2008. Vamos ter um 2008 melhor do que 2007. Vamos procurar outros assuntos para discutir e não discutir mais a inflação, por exemplo, que vai ficar em 4%. Vou trabalhar com todo o rigor para que a inflação se mantenha na faixa dos 4%, se puder, até um pouco menos.

Economistas falam da vulnerabilidade da economia brasileira para enfrentar uma crise mundial. O Brasil está forte?
LULA: Temos US$ 175 bilhões de reservas. O mercado interno brasileiro está se fortalecendo. Este ano, vamos ter talvez um Natal dos melhores de toda a história, porque uma camada imensa de seres humanos que ficaram marginalizados está entrando na sociedade que compra.

O avanço de camadas que antes não consumiam existe, mas se dá muito com base no crédito. Isso pode criar uma bola de neve? Esse foi o problema da bolha americana...
LULA: O problema dos Estados Unidos é outro. Qual era a lógica? Você comprava uma casa por US$ 300 mil, passados dois anos, aquela casa aumentava em US$ 100 mil o valor dela e você poderia fazer um crédito de mais US$ 100 mil. Na hora em que desvalorizou os imóveis, você ficou pendurado. Esse não é o nosso modelo. As pessoas estão se endividando para comprar coisas que precisam dentro de casa; querem comprar uma geladeira, uma televisão, um telefone, um carrinho, mais roupas... É só vocês irem, não sei se lá no Saara no Rio de Janeiro, na 25 de Março em São Paulo, para ver uma população de causar inveja à China. Um caminhão está demorando quatro, cinco meses para ser entregue.
Ora, é um problema gostoso.

O senhor mencionou a demora nos caminhões. Existe limitação para o crescimento, de bater num teto e não expandir mais?
LULA: Não existe.

Nem pelos gargalos de infra-estrutura...
LULA: Não existe.

A infra-estrutura comporta o crescimento? Tem crise energética, a Aneel disse que pode voltar a faltar gás...
LULA: Lançamos o PAC, mas essas coisas não acontecem em um dia. No ano que vem, quem mora nas 13 principais capitais vai ter o privilégio de ver a quantidade de obras de saneamento básico que vai acontecer nessas cidades. São R$ 40 bilhões.

E a questão do gás?
LULA: De vez em quando no Brasil a gente tenta mistificar as coisas. Estamos com o sistema elétrico muito mais preparado do que em qualquer outro momento, porque estamos fazendo uma interligação de todo o sistema. Em 2001, você tinha excesso de água no Sul e falta de água no Sudeste. O Sul não tinha como transferir energia, porque não tinha linhas de transmissões.

Não haverá racionamento?
LULA: Não acredito. O gás é uma matériaprima em que não temos auto-suficiência.
Se Deus ajudar e esse anúncio da Petrobras se confirmar, enfim, estará resolvido o problema do gás.

A falta de gás pode comprometer o crescimento?
LULA: Não. O Brasil tem álcool, gasolina, biodiesel, gás. O cidadão pode achar ruim ter de pagar uma coisa mais cara do que outra, mas não vai ficar parado por falta de combustível.

Os investimentos em infra-estrutura crescem, mas há um crescimento ainda maior dos gastos públicos. Vê possibilidade de redução?
LULA: Não acontece isso. Saímos de R$ 2 bilhões do orçamento do Ministério de Transporte para R$ 10 bilhões.

Em 2003, a gente gastava do PIB 4,6% com pessoal. Em 2006, estamos gastando 4,6% também. Em 95 se gastava 5,3%. Vejo as pessoas dizerem que o funcionalismo público ganha muito. Fico com inveja do salário da iniciativa privada para as funções que eles acusam que aqui no Brasil ganham muito.

Os gastos têm mesmo que aumentar?
LULA: Se fosse possível fazer a máquina funcionar diminuindo dinheiro, seria ótimo. Não vamos melhorar a saúde pública sem contratar médicos. Não vamos melhorar a educação sem contratar professor.

O histórico do crescimento dos gastos no Brasil, nos últimos dez anos, está sempre acima do PIB. Há possibilidade de crescer menos?
LULA: Se você quiser comparar o PIB, vou dizer que em 1995, se gastava 5,3% do PIB com pessoal. Hoje, 4,6%.

Pode diminuir? Ainda está acima do crescimento do país ...
LULA: Não, não está acima. O crescimento do PIB vai ser mais.

Ah, vai ser ...
LULA: Eu não sei. Estou otimista.

Estamos trabalhando com dados existentes. Estamos encurralados, porque se gasta mais do que se cresce, como o país cresce assim?
LULA: Você vai cada vez mais melhorar a arrecadação do Estado, vai melhorar a gestão do Estado à medida que melhora a qualidade das pessoas que trabalham.

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, disse que o Estado é raquítico. É uma opinião parecida com a sua? O Estado ainda tem o que crescer?
LULA: O Estado brasileiro vai crescendo à medida que o país vai necessitando de um Estado que precise crescer mais. A tese do Márcio Pochmann é correta. Se se comparar o número de funcionários públicos com a população brasileira, percebe-se que o Brasil é um dos países que tem menos. O problema é que a gente tem uma parcela de funcionários mal-remunerados e, portanto, desmotivada.

Está havendo um trabalho de recomposição desses salários desde o primeiro mandato ...
LULA: Estamos recompondo e cada vez precisa mais.

O senhor acha que os resultados disso estão aparecendo...
LULA: É só olhar o resultado do país. É evidente que estão aparecendo.

Eu digo em relação ao atendimento à população.
LULA: Melhorou muito. E ainda falta melhorar muito.

O que achou da polêmica em torno da troca de dirigentes do Ipea? Pessoas da comunidade acadêmica acham que houve perseguição política, enquadramento do Ipea...
LULA: Engraçado isso. Se tivesse um mínimo de verdade, o Márcio Pochmann não estaria no Ipea.

Por quê?
LULA: Porque ele escreveu vários artigos criticando o governo. Ora, meu Deus do céu, o mínimo de direito que tem alguém que é colocado num cargo de presidente de uma instituição como o Ipea é colocar quem ele queira colocar, trocar quem ele queira.

Mas são pesquisadores ...
LULA: Mas você há de convir que o Pochmann tem direito de dizer: “Eu quero tal pesquisador comigo e não quero esse”. É o mínimo.

O senhor se incomodou com estudos e críticas desses pesquisadores?
LULA: Nunca me incomodei e não vou me incomodar.

O senhor descarta completamente patrulhamento, de novo pensamento único no Ipea? LULA: É só ver o resultado. Há uma coisa que faz a minha cabeça, desde o tempo em que eu era dirigente sindical. Trabalho com o conceito de que a máquina pública é máquina pública, e ninguém pergunta para o cidadão concursado se ele é religioso, se gosta de futebol ou se pertence a partido. Ele faz o concurso, passa e vai trabalhar.

E a polêmica de imposto sindical? O senhor é bastante produto da luta contra o imposto. Como se vê, diante da História, depois que sair do governo como aquele que teve a oportunidade de fazer a mudança que sempre pediu, mas, no momento em que a discussão surgiu, viu seu partido e sua base agirem ao contrário?
LULA: Aquela proposta que foi aprovada é uma proposta complicada, porque tira o imposto sindical dos trabalhadores e não tira dos empresários. É importante saber que milhares de sindicatos não têm condições de sobreviver sem imposto sindical.

Mas o imposto deve continuar obrigatório?
LULA: Minha filosofia sindical é que quem deve determinar a forma de arrecadação e a quantidade de contribuição são os trabalhadores em assembléia. Por isso, historicamente, eu fui contra o imposto sindical. Só acho que é preciso dar um tempo de transição para que as pessoas se ajustem à nova realidade.

Qual transição? O Congresso fala em três anos.
LULA: É dar um prazo. Não sei.

O imposto sindical não produz mais pelegos?
LULA: Não estou discutindo a filosofia do que vai ser o dirigente sindical.
Tenho uma briga histórica contra o imposto sindical. Isso faz parte da minha matriz como sindicalista.

O senhor falou que na oposição fazia bravatas. Quando voltar para a oposição e fizer críticas, o que vai acontecer? A imprensa vai dizer que o senhor está fazendo bravata? LULA: É preciso saber quando a oposição faz oposição em torno de propostas concretas e quando faz bravata. São coisas distintas. Não misture oposição com bravata. Bravata é quando o cara propõe coisas ou ameaça coisas que ele sabe que não pode fazer. Agora, fazer oposição, ser contra um projeto do governo, é legítimo e não tem restrição. Quando falo da economia, falo porque vivi 30 anos do outro lado, e todo ano a gente era pego de surpresa com um pacote, alguém anunciava um milagre. Agora, não. O Guido Mantega é meu ministro, e falo para ele: “Olha gente, não tem mágica, não tem mágica, não inventem! Em política econômica a gente não inventa”. Tenho discutido política cambial. A verdade é que escolhemos a forma correta, o câmbio flutuante. E o câmbio flutuante flutua. Ele vai flutuar, para cima ou para baixo. Em time que está ganhando a gente não mexe

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