Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 25, 2007

DANUZA LEÃO

Um conjugado


A maior dificuldade deve ser, depois de um dia de trabalho, chegar em casa, tomar banho e escolher em que sala ficar

AS PESSOAS passam grande parte da vida correndo atrás de um sonho: mudar para um apartamento maior com três quartos, dois banheiros, e se tiver playground e piscina no prédio, é a felicidade total.
Para os muito ricos isso não é nada. Casa de rico tem coisas que até Deus duvida: sala de jantar para ocasiões mais formais, sala de almoço para o dia-a-dia, biblioteca para conversas privadas, uma sala pequena e íntima para ler os jornais e tomar o café da manhã, e salas e mais salas, que só são ocupadas, aliás, em dias de grandes festas. Mesmo ficando dois, três meses sem ninguém entrar, os cinzeiros e porta-retratos de prata brilham, e os potinhos com chocolate estão sempre regularmente cheios.
Nessas casas, são várias geladeiras: uma para frutas e doces, outra para os legumes (fora as dos vinhos), freezer para carnes e freezer para produtos vindos diretamente do mar. Quem cuida de tudo isso? A dona da casa? Só se tiver feito um curso de administração de empresas e de culinária, fora o de psicologia. Lidar com tanta gente, administrar as tensões de dez, 15 empregados, não é tarefa para qualquer um.
Pensar em como vivem essas pessoas me intriga: quem faz as compras? E dá para saber se quem faz essas compras está sendo honesta, que 20 pés de alface por semana é o consumo normal, ou 17 seria o suficiente? Feira, todo mundo sabe, não fornece nota fiscal.
Deve ser um problema ser muito rico. Como saber, quando um dos motoristas diz que está na hora de trocar o óleo de um dos carros, se é verdade mesmo ou se o recibo é um acerto entre ele e o dono do posto?
Os ricos de gosto mais tradicional costumam ter dezenas de meias pretas -importadas, claro. Será que alguém conta, toda semana, para ver se está faltando alguma? E se estiver, será que ele percebe? E os sabonetes, pastas de dentes, desodorantes, que devem ser comprados em quantidade industrial, ficam guardados num armário trancado a chave? E quem guarda a chave?
Difícil também deve ser na hora do jantar. Será que os muito ricos sabem o que vão comer, ou é sempre uma surpresa do cozinheiro? Se em qualquer botequim de subúrbio o cliente tem o direito de escolher entre um mocotó ou uma dobradinha com feijão-branco, por que os ricos não têm esse direito? Isso é que se chama injustiça social.
Mas a maior dificuldade deve ser, depois de um dia de trabalho, chegar em casa, tomar banho e escolher em que sala vai ficar. Na de chintz estampado ou naquela de sofá listado?
No jardim de inverno ou na varanda com vista para a piscina? Um problema. Um dia eu tive coragem e resolvi pesquisar com um milionário que conheço: perguntei, na lata, como é que ele faz, nessa situação que se repete todos os dias, e a resposta veio, clara e simples.
Como sua casa é imensa, o quarto de dormir também é imenso, e nele o decorador -sábio- colocou uma grande televisão, o som, os discos mais queridos, uma bandeja com uísque e vodca e uma geladeirinha onde ficam refrigerantes, chocolates e gelo. Aí ele liga para a cozinha pelo interfone e pede o jantar no quarto, numa bandeja. Come vendo televisão, depois ouve um disco, lê um livro e dorme sem nem lembrar que o resto da casa existe -igualzinho aos pobres.
Você que sonha com um apartamento igual ao dos ricos aprenda mais esta: ninguém precisa de mais do que um conjugado para ser feliz.
Nem eles.

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