Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 28, 2007

Merval Pereira -Negociação programática

As novas regras sobre fidelidade partidária, com a possibilidade de perda de mandato, podem ter uma conseqüência positiva na política brasileira, avaliam alguns cientistas políticos: a negociação para a coalizão partidária com base em programas, e não apenas em troca de cargos ou vantagens pessoais para os parlamentares. O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, no Rio, acha que com o fim do troca-troca haverá um incentivo mais forte para negociações em bases mais programáticas: “O presidente não está fadado à minoria, mas está fadado a fazer uma política diferente agora. Vai ter que negociar com os líderes, não vai mais poder atropelálos, e torçamos para que os líderes demandem não apenas cargos, mas negociações de programas”.

Agora os líderes terão mais força para enfrentar as investidas do governo, diz ele. Amorim Neto acha que a negociação de coalizões ficaria mais fácil com um sistema partidário mais compacto.
É certo que os partidos de aluguel perderão seu poder de mercado, admite ele, “mas a fragmentação do sistema partidário brasileiro vem menos do troca-troca e mais do número alto de cadeiras que se disputa”.

Já o também cientista político Sérgio Abranches lembra que, sem esse tipo de cooptação, há dois outros recursos que os presidentes terão que usar daqui em diante.

“Um é a cooptação de partidos inteiros, não mais indivíduos, via oferta de cargos de comando nos distintos escalões de governo e verbas orçamentárias. Nesse caso, não muda muito, porque se trata apenas de usar as mesmas moedas, porém com bancadas inteiras, o que fica mais difícil e mais caro”.

O segundo é negociar políticas públicas. Ele não é tão otimista a ponto de achar que caminharemos para negociações programáticas, “mas certamente, para conseguir o apoio de determinados partidos — digamos, o PPS, por exemplo —, o presidente terá que negociar orientações de políticas públicas ou mesmo a inclusão de determinadas políticas na agenda. Nesse caso, ficaremos mais próximos das tratativas para formar coalizões, como se dão na Europa”.

Mas, para ele, isso ocorrerá na margem, com partidos médios ou pequenos, com maior identidade programática: “Com os ‘grandões’, a natureza das negociações continuará como usualmente.

Mas não haverá mais como ‘inchá-los’, o mesmo acontecendo com os partidos de aluguel tipo PTB, PL, não vão nunca querer discutir programas, mas também perderão a capacidade de hospedar os cooptados”.

Ele acha que a volta da cláusula de barreira, pretendida por alguns parlamentares influentes, não é uma solução, pois “mata legendas boas, como o PPS e o PSOL e pode criar mais problema que solução, porque reduz a capacidade de acomodação e facções regionais rivais, que precisam legendas distintas no plano local, embora possam cooperar no plano nacional”.

Fernando Limongi, cientista político da USP, acha, no entanto, que é indeterminado o efeito que a nova medida provoca a partidos membros da coalizão. “Pode aumentar o poder de pequenos partidos, como pode diminuir. Tudo depende da distribuição de cadeiras.

Se um pequeno partido for pivô para a formação de uma coalizão majoritária em função dos resultados das urnas, seu poder cresceu com a decisão do STF”, ressalta.

Na verdade, Limongi acha que “tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes.

O número de variáveis em jogo é muito grande, e é difícil saber onde as coisas vão se estabilizar”. Ele diz que, no momento, é impossível fazer uma avaliação sobre as conseqüências das novas regras para os partidos pequenos: “Disputar ou não eleição em partidos pequenos dependerá das coligações eleitorais. E, na realidade, a maior parte dos pequenos partidos só seria impedida de obter cadeiras com a cláusula de barreira, e não com a proibição de coligações para as proporcionais.

Meu chute é que a proibição de mudar de partido vai favorecer a preservação das pequenas siglas”.

Limongi recebeu com reservas a medida em si. Em primeiro lugar, diz ele, na maior parte dos países do mundo essa matéria não é regulada, o que significa que, mesmo onde há lista fechada, o mandato é individual, e não do partido. O cientista político considera discutível, além do mais, que mudar de partido seja sempre um desrespeito à vontade do eleitor. “A hipótese contrária não deve ser descartada”, diz ele, dando o seguinte exemplo: “E se o Jarbas Vasconcelos e o Simon tivesses saído do PMDB após a decisão de seu líder de retirá-los da CCJ, estariam traindo seus eleitores?”.

Sérgio Abranches, que cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”, acha provável que, em médio prazo, dentro de duas ou três eleições, a nova regra tenha efeito sobre o número de legendas.

Mas lembra que permanecerão dois poderosíssimos incentivos à proliferação de legendas.

O mais importante, para ele, é o horário eleitoral gratuito, “que alimenta vaidades e sonhos de grandeza, fazendo com que pessoas criem partidos para aparecer no horário eleitoral gratuito e, de repente, até se elegerem a alguma coisa. Isso não tem muita conseqüência real na dinâmica política, como se viu com o fenômeno do falecido Enéas e com tantos outros que o antecederam”.

Mas o pior da legislação, diz Abranches, é a possibilidade de alianças e coligações proporcionais, “fonte de corrupção e distorção”. Ele admite que ficou menos atraente para aquele que usa a legenda pequena para se eleger, porque a oligarquia local não o deseja candidato ou não o quer ajudar, e depois volta para o partido de origem.

“Mas continua a funcionar para quem quer se eleger na cauda de um grande partido e se contenta em virar líder dele mesmo, num partido nanico de um deputado só”.

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