Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 29, 2007

O seriado The Tudors no canal People+Arts

O absolutismo erótico

Na série The Tudors, Henrique VIII ganha um ar
mais sexy. Mas continua o mesmo monarca autoritário


Jerônimo Teixeira

Divulgação
Henrique VIII e sua corte em The Tudors: nobres que se comportam como mafiosos

VEJA TAMBÉM
Da internet
Trailer da série

Imagem consumada do monarca absoluto, Henrique VIII parece ter reinado ao sabor de seus caprichos na Inglaterra do século XVI. Rompeu com o papa e fundou uma nova igreja só para obter o divórcio de sua primeira mulher, Catarina de Aragão. No que concerne às práticas políticas, a série The Tudors (Estados Unidos), que começa a ser exibida no domingo 7 pelo canal por assinatura People+Arts, retrata o monarca dentro do figurino tradicional. O Henrique VIII interpretado pelo irlandês Jonathan Rhys Meyers – o inescrupuloso arrivista social do filme Match Point – é um homem autoritário, cruel e inclemente com os inimigos (um deles é decapitado já no segundo episódio). A principal diferença está na forma física do rei, muito diferente das dimensões robustas que se vêem nos retratos históricos. A série não perde uma só oportunidade de exibir os dotes de modelo-e-ator de Rhys Meyers, seja em uma improvável luta livre com o rei Francisco I, da França, seja em sucessivas performances no leito real. Entre uma e outra conspiração palaciana – todas, aliás, envolventes e bem urdidas –, o protagonista de The Tudors sempre encontra um tempinho para conhecer mais de perto a nova dama de companhia da rainha. O People+Arts até programou uma versão light, sem as cenas eróticas, que será exibida nas quartas-feiras. Cada episódio censurado tem, em média, oito minutos menos que a edição integral. A primeira temporada da série compreende dez episódios – ao todo, portanto, são uma hora e vinte minutos de sexo.

A escalação de Rhys Meyers para o papel foi ironizada pela crítica e pelos historiadores. Seria uma liberdade ficcional exagerada dar um tórax bem torneado e beiços lascivos ao balofo Henrique VIII? Os produtores da série dizem que não. Argumentam que o jovem Henrique era considerado um dos monarcas mais atraentes de seu tempo. E o homem era um esportista, sempre bem disposto para uma boa caçada. A desculpa não cola. A ação da série começa por volta de 1520, quando Henrique já tinha quase 30 anos – seria de esperar que pelo menos os primeiros sinais de sua monumental barriga já aparecessem. A razão para descartar a fidelidade histórica quanto às medidas da cintura real é bem prosaica: o público gosta de gente bonita – especialmente quando há cenas de sexo na jogada. "Ninguém quer ver um drama histórico com um barbudo que pesa 100 quilos. Heróis não têm essa aparência", disse Rhys Meyers em uma entrevista ao Sunday Times, de Londres.

Henrique VIII não chega a ser propriamente um herói. Os personagens da série, aliás, não se dividem claramente em bandidos e mocinhos. De certo modo, são todos bandidos, tipos mesquinhos e interesseiros lutando por mais poder. O título plural da série, aliás, pode ser visto como uma homenagem a uma de suas mais inusitadas inspirações: Os Sopranos. Os conselheiros, os nobres e os membros do clero que cercam Henrique VIII comportam-se todos como mafiosos avant la lettre. A exceção solitária é o filósofo Thomas More (Jeremy Northam), um católico humanista que mantém sua família longe da corte no esforço de criar os filhos em um ambiente que não seja contaminado pela corrupção. Em um diálogo um tanto artificioso da série, o rei comenta com seu conselheiro filósofo que prefere O Príncipe, de Maquiavel, a Utopia, do próprio More. "É mais realista e menos... utópico", conclui o rei. More, aliás, seria preso e executado em 1535, por sua recusa em aceitar Henrique VIII como chefe da igreja inglesa. Mas isso não é matéria da primeira temporada, que se encerra em 1530.

Divulgação
Henrique, o sarado, com a espevitada Ana Bolena: mais de uma hora de cenas de sexo

O reinado da dinastia Tudor começou em 1485, com Henrique VII, e se estendeu até a morte de Elizabeth I – filha de Henrique VIII e sua segunda mulher, Ana Bolena (interpretada na série pela espevitada inglesa Natalie Dormer) –, em 1603. O reinado mais notável do período é, por todos os títulos, o de Elizabeth. A "rainha virgem" pacificou um país dilacerado por conflitos religiosos e teve ainda a sorte de viver uma época de florescimento literário quase milagroso, com dramaturgos como Marlowe e Shakespeare disputando as platéias de Londres. Os feitos de Henrique VIII são modestos em comparação. Mas ele teve sucesso em fazer da Inglaterra uma força importante nas complicadas disputas geopolíticas da Europa, ora cortejando os interesses franceses, ora se aproximando do poderoso Carlos V, rei da Espanha e do Sacro Império Romano. Contemporâneo de Lutero – por quem não nutria simpatias –, acabou se tornando o grande agente da Reforma na Inglaterra, rompendo com a Igreja Católica no episódio do divórcio. A despeito de sua eventual truculência política, Henrique VIII também tinha seus fumos humanistas. Gostava de se cercar de artistas e filósofos – além de Thomas More, a série reserva algumas cenas secundárias a Thomas Tallis, um importante compositor de música sacra.

Criado por Michael Hirst, roteirista do filme Elizabeth (uma patacoada histórica que só vale pelo desempenho de Cate Blanchett), The Tudors reconstitui a época com alguma liberdade no tratamento de fatos e datas. Os motivos sexuais de Henrique VIII para romper com Catarina e a Igreja ganham mais destaque do que a política ou a religião. O nascimento de Henry FitzRoy, filho ilegítimo do rei, se deu em 1519, dois anos antes da execução do duque de Buckingham, acusado de traição. Na série, porém, os dois eventos são apresentados como simultâneos, para estabelecer um manjado mas eficiente contraste entre nascimento e morte. São adaptações admissíveis em uma série que, afinal, também tem de divertir o espectador (e o faz muito bem). Outras mudanças, no entanto, beiram o grosseiro. Já se anuncia que, na segunda temporada, Henrique VIII tentará obter o seu divórcio em negociações com Paulo III – quando, na verdade, o papa da época era Clemente VII. Por que a alteração? Bem, na primeira temporada, nas poucas cenas em que Clemente VII aparece, ele é interpretado pelo desconhecido Ian McElhinney. A produção conseguiu um ator de maior peso para a nova temporada e por isso resolveu adiantar a troca de pontífice. Peter O'Toole será prematuramente ungido como Paulo III.

Triângulo real

Na sua primeira temporada, a série The Tudors acompanha as tramas da corte inglesa na década de 1520 – com ênfase na vida amorosa do rei

Henrique VIII (1491-1547)

Segundo monarca da dinastia Tudor, reinou de 1509 até a morte. Seus retratos mostram uma obesidade imponente – mas, na série, é interpretado por Jonathan Rhys Meyers, que não perde a oportunidade de exibir a barriga de tanquinho

Catarina de Aragão (1485-1536)

Filha dos reis espanhóis Isabel I e Fernando II, Catarina teve seis filhos com Henrique VIII, mas só Maria sobreviveu à primeira infância. Frustrado com a falta de um herdeiro, Henrique VIII quis se divorciar de Catarina. O papa Clemente VII não lhe concedeu o divórcio

Ana Bolena (1507-1536)

Maria Bolena passou pela cama do rei – mas Henrique VIII se encantou com sua irmã, Ana. Para se casar com ela, rompeu com o papa e fundou a Igreja Anglicana. Ana – que seria decapitada – foi mãe da futura rainha Elizabeth I

Arquivo do blog