Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 27, 2007

Míriam Leitão - Nos tempos do bagre


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
27/9/2007

Bons tempos aqueles em que todos os elétricos do Rio Madeira tinham um bode expiatório: o meio ambiente. Agora, a licença prévia para as duas hidrelétricas já saiu, mas o edital não foi publicado, o leilão já foi adiado duas vezes, as construtoras estão brigando na Justiça, no SDE, no Cade e até na Justiça americana pelos produtores de equipamentos.

As duas maiores construtoras do país, Odebrecht e Camargo Corrêa, estão na briga em várias frentes, com vitórias de lado a lado. O problema é que, se a Odebrecht ficar sozinha na disputa, é excelente para a empreiteira e péssimo para o país, para a concorrência e para o preço final da obra.

No princípio a Odebrecht disse que tinha assinado com Furnas um contrato de exclusividade de parceria, que lhe dava um exótico poder: o de impedir que qualquer outra empresa do grupo, inclusive a holding Eletrobrás, se associasse a qualquer concorrente. Depois, isso, por absurdo, caiu:

- Por isonomia, a gente se dispôs a assinar um aditivo ao contrato com Furnas liberando as outras estatais - diz Irineu Meirelles, diretor de investimento e infra-estrutura da Odebrecht.

A Camargo Corrêa diz que foi o governo que impôs essa liberação:

- Onde já se viu um acordo com uma subsidiária estabelecer regras para a holding? - pergunta João Canellas, diretor da Amazônia Madeira Energética (Amel), que pertence ao grupo.

A briga entre as duas chega também aos parceiros privados. A Odebrecht assinou contratos de exclusividade com quatro produtoras de turbinas, bem como com os bancos financiadores e as seguradoras.

A Camargo Corrêa denunciou que todas essas amarrações são práticas anticoncorrenciais. Vitor Hallack, presidente do Conselho de Administração da Camargo, estranha os argumentos da Odebrecht:

- Ela diz que existem dados confidenciais entre ela e Furnas, mas as duas fizeram o estudo de viabilidade e o projeto de engenharia, que têm de ser de domínio público. Não pode ter nada de confidencial. Com base nisso é feita a licitação. Se ela perder, o ganhador tem de ressarci-la pelos gastos com os estudos, mas a Odebrecht não pode declarar que é detentora de informações confidenciais - diz Hallack.

Não é o que pensa Irineu Meirelles:

- Nós fizemos o estudo de viabilidade e depois o EIA-Rima. Para isso foi necessário fazer um projeto de engenharia básico. Isso é disponibilizado para todos. Em cima desse projeto básico, cada um faz os seus melhoramentos, muda o eixo da barragem, mistura tipos de turbinas, muda número de turbinas e faz o seu projeto específico, com o qual vai ao leilão.

A Camargo acusa também a Odebrecht de ter amarrado os fornecedores de turbinas. Segundo a Camargo, só Alstom, Voith-Siemens, Va-Tech e GE estão preparadas para fabricar turbinas bulbo no Brasil - as máquinas que serão usadas nas hidrelétricas do Rio Madeira. E todas elas estão amarradas com a Odebrecht.

- Quando vamos cotar preço das turbinas com eles, os fornecedores dizem que só podem dar essas informações para a Odebrecht. O que significa, na prática, eliminar a concorrência - diz Hallack.

- Por que eles não procuram outros? A Hitachi é a maior produtora mundial de turbinas bulbo. A PowerMachine russa também se dispõe a fornecer, tem também fabricantes chineses - argumenta Meirelles.

- No Brasil, só Alstom, Voith-Siemens e GE fabricam bulbo. Todas assinaram contrato com a Odebrecht. De Hitachi, PowerMachine e chineses teríamos de importar, o que é muito mais caro: não teríamos o financiamento do BNDES de TJLP e 0,5% de spread, teríamos de pagar 14% de imposto e não teríamos cobertura cambial por 12 anos - diz Canellas, da Amel.

O caso da GE é mais complicado. Ela pediu para sair do consórcio e, assim, ficaria teoricamente livre para entrar em outros, mas a Odebrecht entrou na Justiça nos Estados Unidos com uma medida preventiva, dizendo que ela detinha informações confidenciais.

- A Inepar, fábrica da GE no Brasil, pode produzir turbinas. E está sozinha, não entrou em nenhum consórcio. Por que a Camargo não a procura? Por que ela quer as informações que estão com a GE Hydro, americana? - pergunta Meirelles.

A Camargo também denuncia que a Odebrecht fechou contrato com os maiores bancos repassadores do BNDES. A Odebrecht diz que existem muitos outros repassadores.

A SDE deu uma medida preventiva a favor da Camargo, derrubada pela Justiça, que depois revogou a própria decisão. Agora a briga foi para o Cade.

- Deve haver competitividade, mas não à custa das nossas informações, porque senão vira espionagem industrial - diz Meirelles.

O governo faz tudo para estar no projeto. A estatal que entrar poderá ter 30% do negócio, e a BNDESPar, outros 19%.

- Além disso, o governo já ofereceu a participação de Funcef e Petros, no total de 40%, para ser a parte privada. Isso faz com que 89% sejam, na prática, estatais. Isso cheira a estatização - diz Meirelles.

Há outros competidores. A Suez está querendo entrar sozinha. A Odebrecht acha que é daí que vem o suposto perigo para o país:

- E se a Suez não quiser ter sócio estatal? Não usar mão de subsidiária da Eletrobrás nem quiser os fundos de pensão estatais? Teremos um projeto de grande importância geopolítica na mão de apenas uma empresa privada - diz Meirelles.

A guerra está aberta. O que interessa ao Brasil é que haja mais competição, o máximo de capital privado, o mínimo de estatização. Mas isso parece ser mais difícil do que proteger os bagres do Rio Madeira.

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