Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 29, 2007

Merval Pereira - Emancipação

Depois que análises da pesquisa do Pnad demonstraram que a melhoria de renda dos 10% mais pobres deveu-se mais aos programas assistenciais como o Bolsa Família do que à renda do trabalho, o que mostra a fragilidade do processo de melhoria da distribuição de rendas no país, tornou-se imprescindível a discussão sobre as “portas de saída” para “reforçar o lado estrutural de políticas compensatórias” que, na definição do economista Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas do Rio, “é a conquista que falta ser trilhada e consolidada na política social brasileira”. Segundo seus estudos, de maneira geral o ano de 2006 se destaca “mais pelo crescimento generalizado de renda para todos os estratos da população do que pela redução da desigualdade observada frente às séries dos últimos 15 anos”.
Em 2006, todas as classes de renda tiveram “crescimento chinês”, com destaque para a renda dos 50% mais pobres, que subiu 11,99%. A parcela dos 40% intermediários subiu 9,66%, e a renda dos 10% mais ricos subiu 7,85%.Mas Marcelo Néri destaca que a desigualdade, medida pelo índice de Gini, teve uma redução de 1,06%, valor bem abaixo daqueles da queda dos três anos anteriores: 1,2%, em 2002, 1%, em 2003, 1,9% em 2004, 0,6% em 2005.Essa queda menor da desigualdade pode ser atribuída, segundo estudiosos, ao fato de que o mercado de trabalho favoreceu de 2005 para 2006 mais os décimos superiores da distribuição, e os programas de transferências favoreceram mais os décimos inferiores.
No caso do Nordeste, essa divisão ficou mais evidente, pois lá houve piora do índice de Gini, que estaria associada à forte elevação da renda do pessoal de maior qualificação.
Embora ainda não existam estudos conclusivos, esse dado pode ser um primeiro sinal de carência de oferta de trabalho qualificado, que em um ou dois anos a mais de crescimento continuado pode começar a aparecer nas demais regiões.Para Marcelo Néri, a meta recém-atingida do atendimento de 11,1 milhões de famílias pelo Bolsa Família mostra que ele “chegou ao seu tamanho ideal de população, e devemos pensar em melhorar a qualidade, criando portas de saída do programa, seja pela emancipação da pobreza, seja por melhorias do cadastro, trocando beneficiários pouco pobres, ou não pobres, por beneficiários mais pobres, excluídos do programa”. Seria o que ele chama de Bolsa 2.0, de que falaremos amanhã.

Outro economista, Fabio Giambiagi, do IPEA, concorda dizendo que “é importante que o governo reforce ao longo dos próximos anos a natureza temporária do benefício, e o vincule a progressos do beneficiado em certas áreas, no sentido de permitir a ele no futuro se livrar da tutela do Estado”. Ele diz que a idéia de “porta de saída”, que é contestada pelo ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, talvez possa ser semanticamente melhor representada pelo conceito de “emancipação”.

O ministro Patrus Ananias que esteve quinta-feira no Rio para um seminário sobre desenvolvimento social e democracia organizado pelo Fórum Nacional do ex-ministro Reis Velloso, diz que o objetivo é integrar as ações do ministério com os programas de trabalho e renda, em parcerias com universidades que preparam as famílias para o mercado, investindo no cooperativismo e nos arranjos produtivos locais para essas famílias poderem se tornar empreendedoras também.

Mas ele declara guerra à expressão “porta de saída”, pois considera que “é reflexo do que há de mais retrógrado no Brasil, uma vez que os que a utilizam referem-se aos pobres com se fossem incômodo.

O que queremos, na verdade, é aumentar as portas de entrada dos mais pobres para a assistência social, educação, alimentação e principalmente trabalho”.

O exministro Reis Velloso, que conversou longamente com Patrus sobre as dificuldades de interligar os programas assistenciais aos de trabalho e educação, definiu o tema de seu seminário como “importante e inovador”: “Deseja-se ter um tipo de desenvolvimento que favoreça a democracia. E um tipo de democracia que favoreça o desenvolvimento. Não há relação necessária entre as duas coisas, e, principalmente no Brasil, não é fácil ter esse favorecimento mútuo”.

Para o ex-ministro, “no fundo, a família saiu da pobreza estatisticamente, mas pode ou não estar produzindo.

O que você gasta nesses programas assistenciais, poderia gastar em educação. O que resolve o problema é ter um círculo virtuoso de crescimento, educação, e emprego”.

Também Fabio Giambiagi preocupa-se com a democracia quando analisa os programas assistenciais.

Para ele, “temos que procurar estabelecer regras para o programa que sejam parcialmente independentes dos ditames do governo de plantão. Caso contrário, não é preciso ser especialista em ciência política para perceber quão delicado pode ser ter um programa que beneficia 11 milhões de famílias sujeito a que em ano eleitoral o presidente da época aumente, por exemplo, em 20% ou 30% o valor do benefício, ainda por cima fazendo circular o boato de que se o governo perder, o programa vai acabar”.

Já o economista José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em política fiscal, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, considera que o Bolsa Família foi um avanço, mas teme seu apelo político, destacando o que chama de “curiosidade”.

“Em tese, ele deveria ser visto do mesmo modo que o seguro-desemprego, e bem diferente de todos outros gastos sociais. Se fossem corretamente calibrados, o Bolsa Família e o segurodesemprego constituiriam um paradoxo: o sucesso deles estaria na redução do seu gasto; ou seja, quanto mais crescesse o país, mais emprego e renda gerasse, menos bolsas e seguro-desemprego deveriam ser pagos.

( Continua amanhã)

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