Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 29, 2007

FERNANDO GABEIRA

Em nome da democracia
COMO ANDAM devagar certas coisas no Brasil. A queda de Renan Calheiros parece um longo parto. Isso revela a fragilidade de nossa democracia. Não vou falar, de novo, de casos amorosos e lobistas, notas frias e bois voadores. Qualquer presidente acusado em quatro casos diferentes sai do cargo enquanto o tema é votado.
Esse é um procedimento democrático, e sua inexistência indica que o Brasil pode conviver com essa anomalia, indicando, perigosamente, que pode aceitar outras.
Renan deveria sair para honrar Alagoas. O Brasil moderno deve muito a esse Estado. Graciliano Ramos, com seu estilo seco e direto, é um dos credores da gratidão nacional. Não só nos ajudou a espantar os penduricalhos do estilo de seus antecessores como criou personagens e histórias que sobrevivem até hoje. "Vidas Secas" é também uma tragédia de migrantes ambientais, e Baleia, a cadela da história, nos ajuda a ampliar nossa limitada visão antropocêntrica da seca.
Nise da Silveira foi militante política, presa na ditadura Vargas, e muito importante para a psiquiatria brasileira. Ela desenvolveu técnicas de tratamento que valorizam as tendências estéticas dos doentes mentais e nos deixou um grande legado no Museu do Inconsciente.
Poderia mencionar o poeta Jorge de Lima, Djavan, outros nomes que mostram que o espaço é pequeno para falar da importância de Alagoas na cultura brasileira. Renan poderia honrá-la, defendendo-se com unhas e dentes. Mas fora do cargo de presidente.
O interessante é que hoje quase todos acham isso. Os apoiadores discretos e até a tropa de choque não o querem mais na presidência.
A exceção é Lula. Alguém conseguiu convencê-lo de que o movimento contra Renan é também contra Lula. E que a queda de um tornaria mais vulnerável o outro.
Da minha parte, acho uma tese estapafúrdia. Gostaria de ver Lula trabalhando mais e melhor. A estabilidade no Brasil interessa a todos nós e, numa escala menor, a todo sistema internacional.
Acontece que estabilidade pressupõe uma certa dinâmica. É preciso se antecipar, corrigir constantemente o rumo para que um processo democrático se desenrole melhor. O grande inimigo da estabilidade, num quadro como esse, é quem decide sentar em cima dela.
A democracia brasileira tem hoje uma indisfarçável lacuna. O Senado está sem presidente moral. O corpo do ex-presidente, protegido por seguranças armados de revólveres de choque, passeia pelos corredores e viaja nos jatinhos da FAB. É preciso jogá-lo de novo no fluxo das relações comuns, viajar nos aviões de carreira, sentir, ainda que de longe, o espírito das ruas das metrópoles brasileiras. Renan vive numa bolha. Cedo ou tarde sairá.

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