Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 01, 2007

Cabral: Zona Sul vai ter que entender estresse da guerra

Para governador, Rio vive dilema entre 'o caminho civilizatório e o da selvageria'
Principal responsável pela ofensiva da polícia contra o tráfico, que resultou em 19 mortos no Complexo do Alemão quarta-feira, o governador Sérgio Cabral disse que a cidade terá de entender o custo do estresse da violenta guerra que está sendo travada contra o crime.

“Isso vale para o morador de Bonsucesso, de São Conrado, do Leblon, de Ipanema ou de qualquer área nobre. O custo do estresse tem de ser compreendido por todos”, afirmou Cabral em entrevista a DIMMI AMORA. O governador, que completa hoje seis meses no cargo, disse que o Rio precisa escolher entre “o caminho civilizatório ou o da selvageria”.

Ontem, foram intensificadas as revistas nos acessos do Alemão para impedir que o tráfico chame reforços. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj pediu a vinda de peritos federais, da Comissão de Combate à Tortura e Violência da Presidência, para analisar os laudos dos 19 mortos
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ENTREVISTA Sérgio Cabral Filho

Civilização ou selvageria.É entre estas duas escolhas que o governador Sérgio Cabral acredita estar a sociedade fluminense neste momento. Ao completar seis meses de governo, ele diz que não muda sua decisão de devolver níveis civilizatórios a toda a cidade, usando da força necessária para acabar com o que chama de “musculatura do tráfico”. Em entrevista por telefone ao GLOBO, ele afirmou que a decisão de apoiar as ações policiais não tem volta e que elas podem acontecer em qualquer lugar da cidade.

— Todos têm que entender o custo disso (combate ao tráfico). Vale para o morador de Bonsucesso, São Conrado, Leblon ou de qualquer área nobre.

Dimmi Amora

O GLOBO: As armas encontradas com os traficantes no Complexo do Alemão caracterizam uma situação praticamente de guerra. O senhor acha que, se o Alemão fosse na fronteira do país, as Forças Armadas participariam da operação da semana passada? SÉRGIO CABRAL: Nosso lema é música dos Titãs: “Só quero saber do que pode dar certo. Não temos tempo a perder”. Se o Ministério da Defesa está perdendo tempo com análises mais análises, se vem ou se não vem, nós estamos agindo. Temos apoio integrado do governo federal através do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de Segurança. A presença da Força Nacional, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal tem sido muito importante.

As informações são de que o ministro da Defesa pede que o senhor reconheça que não tem capacidade para gerir a segurança para mandar as tropas. O senhor pode fazer isso? CABRAL: Evidente que não é. Nós solicitamos apoio estratégico nas rodovias, entroncamentos. Construímos isso junto com o ministro e o secretário estadual de Segurança. É falta de desejo de apoio às nossas ações. O contribuinte não consegue entender por que as Forças Armadas não são parceiras neste momento em que estamos todos unidos para agir. Mas Força Nacional de Segurança, a Polícia Federal e nossas bravas polícias Civil e Militar estão superando todas as dificuldades e obstáculos. Estão trabalhando, dedicando suas vidas, no combate ao crime. A polícia está sendo vista como o mocinho. A população nas ruas manifesta à nossa polícia reconhecimento pelo trabalho.

Por que demorou tanto uma operação planejada como a que foi feita quarta-feira? CABRAL: Porque, infelizmente, ao longo das últimas duas décadas — talvez com um pequeno interregno na época do general Cerqueira e do Hélio Luz (secretário de Segurança e chefe de Polícia no governo Marcello Alencar) — houve um fortalecimento do crime organizado no Rio. O crime ganhou musculatura, maior presença das comunidades.
Há 20 anos, quando pela primeira vez os marginais da Rocinha pegaram metralhadoras e deram tiros para alto, a sociedade ficou chocada.
Nos últimos anos isso ficou banal.
O senhor está repetindo o que o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, falou: que houve leniência no combate ao crime nos últimos anos.

CABRAL: Eu tenho tanto trabalho fazer no meu horizonte que não boto retrovisor. Quero olhar para frente resolver os problemas. O que passou, passou. O que foi feito, foi feito. Não vou perder meu tempo com tititi. Cabe a mim agora fazer.

O que representou a operação desta semana? CABRAL: A sociedade exigia uma reação do poder público. Quando você fala do Complexo do Alemão, você fala de uma grande comunidade onde moram trabalhadores. Onde o acesso é complicado, com vielas, ruas pequenas.

Uma ação dessas exige planejamento, inteligência e operação. O Tony Blair disse alguns anos atrás algo absolutamente fundamental: a segurança é a primeira das liberdades.
este é o nosso lema. Porque sem segurança não tem educação, não tem saúde, não tem investimentos privados, não tem liberdade.

Então a segurança continuará sendo o foco do seu governo? CABRAL: Este é o eixo do nosso governo.Estamos aumentando o número de policiais. Até o fim do ano serão mais dois mil. Aceleramos a formação de mil policiais, que esta semana ficam prontos. Seiscentos ficarão na capital. Tiramos a política da segurança pública. Foi uma decisão de grande impacto na corporação, que percebe a mudança de conceito. Teremos nos próximos dois meses uma frota nova na PM e na Polícia Civil, melhor que a de hoje. A população vai ver uma polícia mais moderna e bem equipada, o que passa sensação de segurança e confiança. Nosso trabalho é gerar confiança da população na polícia.

 E como manter a operação no Alemão, já que a polícia reconhece que ainda há armas e traficantes lá...

CABRAL: Tem traficante lá e em outras comunidades. Vamos continuar combatendo tanto lá como em todas onde houver tráfico tocando o terror e ameaçando a vida das pessoas. Nossa política de segurança não é só o combate ao tráfico nas comunidades.

É lá e na Vieira Souto, na Delfim Moreira, na Avenida Atlântica. Onde tiver esquema ligado ao crime, estaremos atuando. Nem na Suíça ou na Noruega a criminalidade chega a zero. Mas ela tem que chegar a níveis civilizatórios.

Este é nosso objetivo: gerar civilidade e tranqüilidade à população.

 Então a polícia não vai sair do Alemão? CABRAL: De jeito nenhum. E vamos entrar em outras. Nosso objetivo é que a polícia transite nas favelas como transita em qualquer bairro da cidade.

Temos que oferecer aos moradores dessas áreas tranqüilidade. Pobreza não é sinônimo de violência em lugar nenhum do mundo.

 O senhor está falando que vai iniciar operações em outras favelas.

Elas terão que dar esta cota de sacrifício a que a população do Alemão foi submetida? CABRAL: O combate à criminalidade, por força da musculatura do tráfico nestas décadas, que não é culpa de um governo, mas de um processo de muitos anos, gera estresse. É inevitável.

Se conseguíssemos ganhar esta guerra sem trocar tiros, seria o ideal. Mas, infelizmente, não é possível porque temos criminosos selvagens do outro lado, que reagem da maneira mais bárbara possível, inclusive matando inocentes. Nossa ação tem que ser contundente e continuará sendo. Tenho certeza de que a população dessas comunidades, que viveu anos a fio dominadas pelo tráfico, quer uma solução para este problema, mesmo passando por estresse.

Ninguém agüenta mais isso, principalmente os favelados. Temos uma bifurcação que eu enxergo clara: ou é o caminho civilizatório ou o da selvageria. O escritor Zuenir Ventura cunhou a expressão “cidade partida”. No caso da Rocinha, ela é bem clara. Se houver uma operação semelhante à do Alemão, a parte do asfalto se sentirá muito mais incomodada do que na operação atual. O senhor continuará apoiando se houver reclamações? CABRAL: Se tem que passar por estresse, vamos passar. Todos têm que entender o custo disso. Vale para o morador de Bonsucesso, São Conrado, Leblon, Ipanema ou de qualquer área nobre. O custo do estresse tem que ser compreendido por todos.

 O senhor considera que estamos em guerra? CABRAL: Estamos em guerra e vamos ganhar esta guerra, não tenho a menor dúvida. O Rio chegou a um nível de violência e ousadia do tráfico absolutamente intolerável. Vamos acabar com esta musculatura do tráfico.

Vamos continuar trabalhando, sem show pirotécnico, sem dizer que é amanhã ou depois de amanhã. Não vai ser todo dia que teremos boas notícias.

Vamos cometer equívocos, pode haver problemas aqui ou acolá e vamos enfrentar. Mas não tem mágica.

É 90% de transpiração.

 Há outros problemas apontados por especialistas, como a alta taxa de homicídios, roubos; e algumas pessoas falando sobre seu governo não ter um programa de longo prazo para resolver isso. O que o secretário tem falado sobre isso com o senhor? CABRAL: Gostaria de ganhar esta guerra sem dar um tiro. Mas não se ganha guerra sem tiro. Poderíamos ter operações como aquela em que prendemos o Marcelo PQD, sem um tiro. Mas não é suficiente. Na hora que entramos, há reação e temos que reagir.

Nossa visão é de médio e longo prazos. Os resultados estão aparecendo, e vão aparecer mais ainda. Não tenho dúvida de que as medidas desta semana, e desde o início do governo quando mandamos os presos para Catanduvas, têm um efeito. O bandido tem que ter medo da polícia. A vida não é mais mansa para a bandidagem e não vai ser.

 As obras que serão anunciadas amanhã com o presidente Lula, num pacote de R$ 2 bilhões, são em áreas dominadas pelo tráfico. Estas áreas serão os próximos alvos? CABRAL: Não necessariamente. Sempre disse que segurança tem apoio e orientação do governador. As decisões são tomadas pelo secretário. Ele tem o mapa e determina as prioridades.

Será assim onde tiver problema, na Zona Sul, na Zona Norte, na rua mais rica do Rio, na mais pobre. Onde tiver, vamos agir.

 Em duas semanas começa o Pan, com milhares de pessoas na cidade.

Os olhos do mundo vão estar voltados para a gente, principalmente na área de segurança. O senhor conversou com o secretário sobre o planejamento? Haverá tranqüilidade? CABRAL: Com certeza. O evento será um sucesso, com tranqüilidade para cariocas e estrangeiros. Será um êxito que vai contribuir para nossa imagem e uma repercussão positiva do Rio.

Nosso esforço é levantar a auto-estima do carioca e mostrar que a guerra pode ser ganha pelo lado do bem.

 O senhor estava em Portugal quando a empregada doméstica Sirlei foi agredida. O que o senhor, que tem filhos na idade dos agressores, achou da atitude daqueles jovens? CABRAL: Uma crueldade. Me lembrou o filme “Laranja mecânica”, do (Stanley) Kubrick. Algo desumano, cruel e covarde. É uma barbaridade que deve ser tratada com o rigor da lei.

“Sem segurança não tem educação, não tem saúde, não tem investimentos privados, não tem liberdade”

“Ninguém agüenta mais isso. Temos uma bifurcação que eu enxergo clara: ou é o caminho civilizatório ou o da selvageria”

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