Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 27, 2007

Tudo dominado JOÃO UBALDO RIBEIRO O Globo

Meu primeiro emprego, acho que já contei aqui, foi num jornal. E,
como creio que também já contei, fiz de tudo em redação — até
escrever horóscopo sem conhecer nem os signos direito, Deus tenha
piedade de minha alma. Não me saí muito mal na maior parte das
funções que ocupei, mas sempre fui péssimo repórter.
Até hoje tenho inveja dos repórteres de verdade e uma das razões por
que gosto de ir às Copas do Mundo é apreciar a moçada competente
trabalhando.
Por causa disso, hoje é um dia emocionante para mim, pois o destino
bondoso me escolheu para dar uma notícia sensacional, com absoluta
exclusividade.

Tenho certeza de que Ariovaldo Matos, meu primeiro chefe de
reportagem, está sorrindo, no céu em que não acreditava, mas onde se
encontra já há alguns anos. Como bom repórter, não posso revelar
minhas fontes, mas vocês vão ver como tudo se encaixa. Se tenho
provas? Não, não tenho, mas aqui, pelo que invariavelmente vejo e
ouço, ninguém tem provas por mais que tenha provas, de maneira que
não destôo da condição geral.

Esclareço que, sem falsa modéstia, já vinha pensando nisso desde o
dia em que me fizeram assistir a um clássico do cinema americano
contemporâneo, intitulado qualquer coisa como "Os homens de preto".
Agora, com as revelações recebidas, vejo que não fantasiava, que não
sou de todo destituído de faro de repórter. E, também como bom
repórter, abandono o lero-lero e vou direto à notícia. É o seguinte:
fomos invadidos por alienígenas e hoje estamos sob inteiro controle
deles, que controlam todas as esferas de atividade no Brasil. Sei que
é difícil de acreditar, mas é a puríssima verdade.

Comecemos do começo. Numa galáxia próxima da nossa em termos
astronômicos, a pouco citada galáxia Larapéia, encontra-se, como
sabem os que se interessam por astronomia, a constelação de
Escróquion, conhecida desde os sumérios sob o nome de Gangs-iBandi-
dosh e rebatizada pelos gregos.

Em Escróquion, há incontáveis sistemas solares, entre os quais avulta
o que se forma em torno da estrela Gatunóia e que conta com pelo
menos um planeta bastante semelhante, praticamente igual ao nosso, o
planeta Ladrônio.

Acontece que os outros planetas atingiram níveis de civilização e
espiritualidade incompatíveis com os vigentes em Ladrônio, e a
federação interplanetária que governa o sistema resolveu corrigir as
coisas, deportando os habitantes do planeta delinqüente para outros
em situação semelhante. Apesar de sua avançadíssima tecnologia, a
federação teve grande dificuldade em encontrar planetas à altura de
Ladrônio.

Quando descobriram a Terra, houve até problemas, pois os relatórios
foram duramente questionados, já que muitos cientistas não
acreditavam nos níveis de ladroagem medidos aqui deste lado do nosso
planeta.

Mas acabaram acreditando e confirmando o que já tinha sido dito
antes: em se plantando, aqui tudo dá, principalmente ladrão. Os
alienígenas são muito parecidos com os humanos e nem mais tomam
certos cuidados, antes considerados indispensáveis. Por exemplo,
antigamente adotavam nomes usuais entre nós, mas logo perceberam que
era uma preocupação desnecessária, pois todos aceitaram como
terráqueos seres chamados Isomenédio Korengi, Beludúbio, Abideleu,
Barunin, Cleosônio, Gaudenílio e assim por diante. E quanto mais os
ETs se estabelecerem neste que é para eles o hábitat ideal, mais
aparecerão desses nomes, até porque os alienígenas se misturam
facilmente com os humanos, produzindo uma descendência que, por
alguma misteriosa razão genética, puxa quase que exclusivamente ao
lado ladrônico.

Portanto, eu não tinha razão quando dizia, como muita gente também
diz hoje em dia, que os políticos não são marcianos, mas gente como
nós, brasileiros de formação semelhante à nossa.

A verdade é bem outra, e muito mais alarmante. Fomos ocupados, há
cada vez mais ladrônicos puros e ladrodescendentes entre nós, não tem
mais jeito.

Furtar, engabelar, tapear e meter a mão no que se puder é a norma a
que teremos de nos acostumar. Os ladrônicos confessos, que cada dia
mais abundam e alguns conseguem que deles se diga apenas praticarem
abusos de conduta, como quer o dr. Tarso Genro, têm frouxos de riso,
quando se fala em "limpar" alguma área de atividade.

Não se limpa nada. Não é preciso falar em grande escala. Em escala
comparativamente minúscula é a mesma coisa. Suponhamos um hospital
público, do tipo Nosocômio Boa Morte. Sai dinheiro do governo e o
hospital continua a matar dezesseis em cada dez pacientes de algo
mais grave que unha encravada. Tudo caindo aos pedaços, médicos,
funcionários e pacientes a pão e água, e assim por diante. Pois
alguém tente "limpar". Pode ser até que, dedicando tempo integral à
tarefa durante alguns anos, consiga. Mas tem a máfia do material
hospitalar, a máfia das funerárias, a máfia dos remédios e máfia de
tantas coisas que só um profissional pode enumerar. Não limpa nada aí
e quem insistir talvez venha a ter, ele próprio, um problema de
saúde, digamos, exogenamente induzido, tal como um tiro nas costas,
porque os ladrônios, se pressionados em excesso, ficam nervosos e
matam. Sobrevivência é básico, já disse alguém importante nesta
república meliante.

Não há razão, contudo, para pessimismo.

Antes, confirmando sua vocação para a felicidade, o Brasil pode estar
legando ao mundo uma nova utopia. Não estamos faltos de utopias, não
se queixa todo mundo de um futuro sem sonhos? Calma, bem pode ser que
estejamos fundando a primeira sociedade ladronista da História e que,
com todo mundo roubando tudo de todo mundo, reinem finalmente a paz e
a harmonia. Quem sabe se não é esse o plano?

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