Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 27, 2007

Danuza Leão: Mundo cão - 27/05/2007

Folha de S.Paulo -

Falo deste assunto talvez para esquecer as fotos que vi: das famosas
pontes que levam o nada a lugar nenhum

EXISTE UM ASSUNTO que andou pelos jornais há uns tempos e que sempre
me intrigou. O caso, que aconteceu nos Estados Unidos, foi, na época,
um grande escândalo, e há umas semanas os personagens centrais da
história foram entrevistados pela apresentadora de TV Oprah Winfrey.
Foi assim: uma professora de 26 anos manteve durante meses relações
sexuais com um aluno de 14. Os pais do aluno desconfiaram, passaram a
controlar a vida do filho, e quando tiveram a certeza do que estava
acontecendo, entraram na Justiça acusando a professora de abuso
sexual contra o adolescente.
Ela foi condenada e passou alguns anos na cadeia, onde teve um filho
(do seu aluno).
No dia da entrevista na TV, lá estavam o menino, seus pais e, na
platéia, a professora, que já havia cumprido sua pena. O menino -o
rapaz, melhor dizendo-, com cara de santo, aceitava candidamente o
papel de seduzido, enquanto a professora era execrada como uma tarada
com quem seria um perigo conviver. A tal ponto que os pais do menino -
avós, portanto, da criança- estavam mais uma vez entrando na Justiça
para ficar com a guarda do menino, sob a alegação de que a mãe não
tinha condições morais para criar o filho.
Ora, francamente. Existem meninos de 14 anos que são praticamente
crianças, e outros tão desenvolvidos fisicamente que são capazes de
manter um caso durante meses com uma garota ou uma mulher mais velha
(e não se pode dizer que quem tem 26 anos seja tão velha assim).
Então, por que rotulá-la como uma devassa e até querer lhe tirar o
filho? Homens de 60 anos, sobretudo quando são ricos, se casam com
meninas de 20 e as famílias acham muito normal. Mas se um garoto de
14, provavelmente grandão, como costumam ser os garotos americanos,
saudável e bem nutrido, transa com uma mulher mais velha, ela é
presa. Mas é bom lembrar que, para que o ato sexual aconteça com um
menino, é preciso alguma colaboração de sua parte, digamos assim. Mas
a mulher é sempre a culpada.
Aí, fiquei pensando na diferença cultural, entre americanos e
brasileiros. No nosso país, os pais estimulam os filhos a começar a
vida sexual cedo, ajudam no que for preciso, e quando isso acontece,
é motivo de grande orgulho entre os homens da família. Imagino que,
se soubessem que o filho de 14 anos estava tendo um caso com uma
mulher de 26, babariam de felicidade.
Agora, vamos pensar: abusar sexualmente de uma menina é possível,
basta imobilizá-la de alguma maneira. Se um professor abusasse de uma
aluna de 14 anos seria compreensível que os pais tomassem uma atitude
qualquer, que não deixassem passar batido. Mas, como bem se sabe,
filhos são educados de maneira diferente das filhas. Enquanto se
espera de uma menina um comportamento recatado, quanto mais um garoto
aprontar, quanto mais gatinhas e mulheres adultas conseguir
conquistar, mais admirado será pelos amigos e pelos pais.
Nem sei por que estou falando dessa história, que nem é tão recente
assim.
Talvez para tentar esquecer das fotos que vi nos jornais nesta
semana: umas revoltantes, das famosas pontes que levam o nada a lugar
nenhum e que infelizmente são a cara do Brasil; a outra, dolorosa, de
um pai desesperado chorando em cima dos corpos de seus dois filhos
pequenos que morreram num acidente de trânsito, atropelados por um
ônibus.
O mais velho tinha três anos.

danuza.leao@uol.com.br

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