Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 22, 2007

FERREIRA GULLAR Risco de vida



Jorge então explicou que nenhuma empresa de seguro-saúde tem plano para gente de sua idade

SEM QUERER dar uma de esquerdista -uma vez que meus cabelos já estão mais brancos que os de Lula- devo admitir que, na sociedade capitalista (capitalista, no bom sentido), salvar a vida de alguém tem preço.
De graça, nem pensar. É verdade que, uma vez ou outra, alguém, sem nada a ganhar, arrisca a própria vida para salvar a de outro, como fez um sujeito, meses atrás, aqui no Rio, mergulhando no canal do Mangue, por mera solidariedade.
Uma atitude claramente anti-capitalista, que, por isso mesmo, nos deixa todos surpresos e consolados. Nem tudo está perdido, disse meu amigo Jorge a si mesmo antes de verificar o boleto do plano de saúde que acabara de chegar.
Ao abri-lo, levou um susto: aumentara de novo! Fez os cálculos: um aumento de R$ 340 em apenas um ano. Jorge tem 72 anos de idade, mas é saudável. Só usa o plano de saúde para o check-up anual. Mais de R$ 1.760 por mês era demais; melhor seria pôr esse dinheiro na poupança e usá-lo quando adoecesse, pensou consigo.
-Não vou pagar isso, decidiu, e jogou o boleto na cesta de lixo.
Uma semana depois, um parente seu adoeceu e, sem plano de saúde, rodou de hospital em hospital, mesmo tendo dinheiro para pagar o tratamento, e quase morreu. Jorge voltou correndo para o seu plano de saúde.
Todo mundo tem medo de ter que recorrer ao SUS, enfrentar filas intermináveis, atravessar a noite esperando para no fim não ser atendido, porque o aparelho de raio-X está quebrado ou o médico faltou ao trabalho. Fátima, sua empregada, teve que passar por esse suplício e, por essa razão, Jorge decidiu pagar um plano de saúde para ela e o marido, desempregado há vários anos.
E veja: já pagara havia quase um ano quando ele precisou de um oculista, e não conseguiu. Nenhum médico conveniado com o tal plano atendia os clientes, porque o plano não os pagava havia vários meses. Jorge pagou de seu bolso um médico para atendê-lo. Felizmente, tudo o que tinha na vista era um estigmatismo. E se tivesse de operar?
Esses problemas se tornaram preocupação constante de Jorge. Fátima, de vez em quando, sente dores de cabeça, que ela alivia com aspirina, mas, de repente, a dor é tamanha que não pode se levantar da cama. Jorge ligou para o corretor que lhe vendera o plano fajuto e lhe perguntou que novo plano poderia contratar para a empregada. Escolheram um, mas ela teria que esperar um mês para fazer a primeira consulta.
Cumprido o prazo, ela telefonou: o primeiro médico contatado só poderia atendê-la dali a três meses; o segundo, dali a dois meses; o quarto, dentro de 45 dias. E se fosse uma doença grave, que exigisse tratamento imediato?
Bem, pensou ele, para tranqüilizar-se, em caso de urgência iria a um dos hospitais ou pronto-socorros conveniados. Passado o susto com o caso de Fátima, que terminou sendo atendida, voltou a considerar o seu próprio caso, já que a mensalidade do plano vem subindo incessantemente. Poderia chegar a um ponto em que teria como pagar a mensalidade, já próxima de R$ 2.000.
-Se fosse você, procuraria um plano mais barato, aconselhou-o um amigo.
-E existe plano mais barato para um sujeito com mais de 70 anos como eu?
-Deve existir.
Jorge então lhe explicou que nenhuma das empresas de seguro-saúde tem mais plano para gente de sua idade. O único plano que aceita idosos é esse -e por isso cobra tão caro. E você ou paga, ou se arrisca a morrer na fila do SUS.
-Você dá sorte de ainda ter como pagar, e quem não tem?
-Só que não sei até quando vou agüentar.
-Quem sabe, você morre logo e acaba o problema.
-Vira essa boca pra lá!
Só que a notícia pior estava por vir. Num papo com uma amiga soube que ela fora operada pelo seu plano de saúde, num dos melhores hospitais do Rio.
-Mas não foi fácil, disse ela, se não fosse um amigo influente, não seria atendida. Alegaram que não havia médico disponível e que a fila de segurados era grande.
-Quer dizer que, mesmo pagando plano de saúde, precisa de pistolão?!
-Ou morre na fila.
-Então está igual ao SUS?!
-Para você ver!

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