Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 22, 2007

Banco do Sul: uma idéia sem pé nem cabeça por Mailson da Nóbrega

Mailson da Nóbrega *

Na sua visita à Venezuela, Lula não “aderiu” à proposta de criação do Banco do Sul, como anunciara o ministro da Fazenda. Fez muito bem. A idéia, lançada pelos presidentes Hugo Chávez e Nestor Kirchner, é mais uma das tolices econômicas que o populismo latino-americano costuma parir. O Brasil nada teria a ganhar e muito a perder. O melhor é “cozinhar” a proposta até que ela caia no esquecimento que merece.

Entre as ilusões da proposta está a de que ficaríamos livres da dependência de organizações como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento ou pelo menos da demora com que concedem empréstimos. Outra ilusão, professada pelo presidente do Equador, é a de que banco seria uma espécie de FMI sem condicionalidades.

O banco teria o capital de US$ 7 bilhões, dos quais metade viria da Venezuela. Ou seja, constituiria instrumento político nas mãos de Chávez. A fonte básica de recursos seriam as reservas internacionais dos países membros, um disparate. Reservas internacionais, como o nome indica, representam disponibilidades de recursos para uso a qualquer momento. Não podem lastrear créditos de longo prazo.

Organizações financeiras multilaterais surgiram para suprir falhas de mercado, como a dificuldade de acesso de certos países ao crédito de longo prazo nos mercados financeiros internacionais. Antes de elas surgirem, as fontes de financiamento externo para as nações em desenvolvimento eram as agências governamentais, os programas de ajuda oficial e as linhas de crédito para importações, proporcionadas por bancos estrangeiros.

O Banco Mundial, a primeira delas, nasceu em 1944 no bojo das medidas para criar um novo sistema econômico internacional no pós-guerra. A Europa Ocidental, então destruída pelo conflito, foi a destinatária inicial dos seus primeiros créditos. Daí o seu título: Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. A partir de meados dos anos 1950, passou a financiar projetos de infra-estrutura nos países em desenvolvimento.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) surgiu em 1955 para apoiar o desenvolvimento e a integração da América Latina e do Caribe. É o verdadeiro Banco do Sul. Uma organização como a pretendida por Chávez e Kirchner não teria as mesmas condições de levantar recursos nos mercados, a custos relativamente baixos.

O BID não depende de reservas internacionais, mas basicamente dos bônus que lança nos mercados. Seu capital é de US$ 101 bilhões, dos quais 4,3% estão integralizados. Os restantes 95,7% servem como uma espécie de garantia desses bônus.

Metade do capital do BID é de países desenvolvidos (os EUA subscreveram 30% do total). A sólida governança corporativa impede o seu uso com fins políticos. Com tais características, o banco é avaliado pelas agências de classificação de risco como triplo A, o mesmo dos EUA, de outros países ricos e de grandes empresas multinacionais. Daí o baixo custo dos recursos que capta, permitindo-lhe financiar projetos a juros menores do que os países menos desenvolvidos obteriam diretamente nos mercados.

A América do Sul já criou instituições que não decolaram porque não reuniam essas condições, como são os casos da Corporação Andina de Fomento e do Fonplata. Este foi criado em 1968 por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. O Fonplata empresta apenas o seu capital, o que sem dúvida seria o caso do Banco do Sul. Quase 40 anos depois, os empréstimos do Fonplata atingiram pouco mais de US 400 milhões em 2005, ano em que seus desembolsos foram de R$ 24,5 milhões (US$ 4,2 milhões para o Brasil).

A falha de mercado que justificou a criação das instituições financeiras multilaterais está desaparecendo por causa da globalização financeira e da melhoria flagrante da gestão macroeconômica no mundo em desenvolvimento, o que reduziu o risco de repetição de suas recorrentes crises. Países como o Brasil, México e Chile não mais dependem dessas organizações para obter recursos externos. Em 2006, a República brasileira colocou US$ 5,450 bilhões de bônus nos mercados internacionais de capitais. Os juros que pagamos têm diminuído consideravelmente diante da melhoria de nossos fundamentos econômicos.

O Banco do Sul tende a ilustrar a galeria das idéias que nem chegaram a nascer. Felizmente.

*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada
(e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)

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