Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Celso Ming - Coceira na mão



O Estado de S. Paulo
28/2/2007

Os antigos desenvolveram sensibilidade especial para prever acontecimentos iminentes a partir de sensações produzidas ao longo do corpo. Quando, por exemplo, alguém sentia coceira nas costas (dorsus meus totus prurit, dizia um personagem de Plauto), uma surra devia estar a caminho. Para Teócrito, um tremor de supercílio (supercilii saltus) prenunciava a visão da mulher amada.

Algumas dessas receitas premonitórias chegaram ao Brasil e fazem parte do patrimônio cultural do povo. Assim, orelha quente é indicação de que alguém está falando mal do dono da orelha. Coceira na palma da mão significa dinheiro chegando ou, conforme o caso, indo embora.

Depois que o Índice da Bolsa de Xangai disparou incríveis 130% no ano passado, uma renitente coceira tomou conta da palma das mãos dos analistas internacionais. Há dois meses, eles lançam perguntas sobre quando, afinal, aconteceria o estouro da bolha ou o início do desinchaço.

E o ajuste veio ontem, sem prévio aviso, a não ser a tal coceira geral identificada no desassossego dos analistas. Não dá para saber se eles pressentiram a derrubada ou se ajudaram a criá-la. O que deflagrou o mergulho do Índice da Bolsa de Xangai, de nada menos que 8,8%, foi a disseminação do boato de que o governo da China tomaria providências para conter a especulação no sistema financeiro. Coincidência ou não, isso aconteceu no dia seguinte ao discurso do ex-presidente do Fed, o banco central americano, Alan Greenspan, que alertou para uma recessão a caminho.

Ninguém foi capaz de confirmar o conteúdo do zunzum chinês. De tempos em tempos, o governo de Pequim informa que estão a caminho providências destinadas a moralizar o setor ou a reduzir investimentos excessivos e coisas assim, sem que nada de relevante se passe.

A magnitude do tombo e a rapidez com que aconteceu (num só pregão) causaram alarme nas capitais financeiras do mundo. Os índices das bolsas desabaram seguindo o fuso horário, começando na Ásia e terminando na América do Norte. O Índice Dow Jones (Nova York) fechou com uma baixa de 3,3%, enormidade para o padrão americano. E a do Brasil (Índice Bovespa) cedeu 6,6%. O prêmio de risco dos países emergentes saltou 18 pontos e o do Brasil, 19. De cambulhada caíram os preços das commodities, especialmente dos metais.

Movimentos com uma forte carga de irracionalidade, como este, são de desfecho imprevisível. Podem durar meses; podem ir embora como chuva de verão. Como a isso deve ser acrescentada a falta de informações sobre o que o que o governo de Pequim está preparando, se é que está preparando, fica tudo ainda mais imprevisível.

Não há nada de errado na economia real do mundo ou na da China. Se em vez de crescer 11%, a economia chinesa ficasse com 7% ou 8% em 2007, continuaria sendo um sorvedouro de matérias-primas, alimentos e energia, que nem de longe seria capaz de colocar em risco o avanço global.

Só nos próximos dias é que se saberá se este ajuste é dinheiro chegando ou se é indo embora, como ontem a tantos pareceu.

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