Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 22, 2006

O reajuste do salário mínimo



Artigo - Luiz Carlos Mendonça de Barros
Folha de S. Paulo
22/12/2006

A dura realidade de um populismo irracional tomou conta dos que esperavam um Lula reformista no 2º mandato

MINHA CARREIRA profissional levou-me a desenvolver, por necessidade e não por gosto, uma metodologia própria para entender a complexa interação entre o político e o econômico em nosso país macunaímico. A presença do governo na economia brasileira, seja ela direta nos mercados via estatais ou por meio de decisões administrativas, é desproporcional à de outros países. Com isso, sua influência na dinâmica dos negócios é ainda determinante.
Como sobrevivi por mais de três décadas nesse competitivo universo das finanças, acredito nos princípios que fui construindo ao longo desse período. Um dos mais importantes deles é o de não acreditar em Papai Noel. É preciso perder tempo na construção de uma análise fundamentalista dos valores e da forma de agir das lideranças no governo de plantão. Ao longo de cada ciclo de poder, são esses princípios que vão forjar a política econômica oficial e definir seus efeitos nos mercados.
As promessas desconectadas desses fundamentos não devem ser levadas a sério. Por isso, durante os últimos quatro anos, com meu irmão José Roberto, organizamos um grupo que se reúne semanalmente para entender esse complexo e contraditório governo Lula. Hoje, temos uma leitura clara de sua dinâmica administrativa e de seus valores políticos. Lula pode enganar muitos de meus colegas de profissão com seu discurso vazio e cheio de contradições, mas não a esse grupo de analistas ao qual pertenço.
Gostaria de dividir com meu leitor algumas de nossas conclusões. A primeira e a principal é que temos em Brasília um governo populista do modelo clássico. E o que isso representa para nosso processo de análise? A identificação de pelo menos dois princípios básicos: Lula governa para satisfazer os desejos de curto prazo daqueles que o apóiam e não tem nenhum compromisso com o futuro da nossa sociedade como um todo.
Por isso, não acredito no Lula reformista do capitalismo brasileiro, pois sabemos que a grande maioria das reformas necessárias para colocar nossa economia em rota de crescimento sustentado provoca o que chamamos de curva J, isto é, no, início, geram perdas em certos segmentos da sociedade, para apenas depois de certo tempo trazer benefícios generalizados. Tomemos o exemplo da Previdência Social e seus déficits crescentes.
Os gastos do governo com aposentados, medidos em relação ao nosso PIB, são desproporcionais em relação a outras sociedades com situações demográficas muito piores que a nossa. Já estamos longe de qualquer parâmetro internacional, e o déficit da Previdência continua a crescer algo como 0,30% do PIB anualmente. Para financiar esse desequilíbrio, o governo retira parcela crescente da renda da sociedade. Isso significa punir os que são produtivos por meio de seu trabalho ou investimento e canalizar tais recursos para aqueles que já terminaram sua vida econômica útil. Os idosos passaram a ser arrimos de família, principalmente em regiões mais pobres, o que demonstra cabalmente o estado desesperador em que nos encontramos. Basta analisar os dados para ver que a renda do trabalho cresce menos -e cai em algumas faixas salariais- do que as aposentadorias. O resultado desse processo é uma redução crescente da eficiência de nossa economia e da sua capacidade de gerar empregos e riquezas no futuro.
Mas o governo continua a não enfrentar o problema por medo do desgaste político e da perda de apoio de milhões de brasileiros que dependem de aposentadoria e pensões. Pior ainda, tem tomado decisões que amplificam esse problema para o futuro. É o que vai acontecer com o aumento do salário mínimo decidido de forma isolada pelo presidente Lula e seu ministro do Trabalho. Os impactos negativos na Previdência virão não só do reajuste decidido para 2007 mas, também, da definição de uma regra de longo prazo que garante ao salário mínimo um aumento igual ao crescimento do PIB nominal.
Ora, uma das formas para corrigir o desequilíbrio já existente seria o de reduzir o peso das aposentadorias por meio do crescimento da renda dos brasileiros que realmente, por meio de seu trabalho produtivo, contribuem para a expansão econômica. Com essa decisão, o peso das aposentadorias no PIB estará consolidado no curto prazo e aumentará com a entrada de novos beneficiários no sistema da Previdência. Essa decisão trouxe à dura realidade vários analistas que esperavam um Lula reformista e racional do ponto de vista econômico no seu segundo mandato. Mas o Papai Noel esperado neste final de ano sumiu, e a dura realidade de um populismo irracional tomou conta desses entusiastas de um presidente que não existe.

Arquivo do blog