Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Mínimo irracional


EDITORIAL
Folha de S. Paulo
22/12/2006

Aumento de salário a R$ 380 solapa capacidade de investir, mas governo sacrifica crescimento por aplauso líquido e certo

O ASPECTO menos importante da decisão de elevar o salário mínimo a R$ 380 tende a comandar máxima atenção numa cena política viciada em falsas questões: se a chamada equipe econômica foi ou não desautorizada pelo presidente da República.
Passa despercebido, assim, o sintoma mais visível no aumento do mínimo -uma renovada deterioração da racionalidade no segundo governo Lula, antes mesmo de inaugurado. A majoração em si nem remotamente se afigura como obstáculo central na economia, mas sinaliza a reiteração de opções preocupantes.
O recém-reeleito presidente chancelou acordo que seu ministro do Trabalho celebrara com antigos companheiros de militância. Em lugar dos R$ 367 defendidos na Fazenda e no Planejamento, ou dos R$ 375 dados como certos, abraçou os R$ 380 e os aplausos fáceis.
Ninguém nega a necessidade e a urgência de redistribuir renda no Brasil. Daí não decorre que um governante esteja obrigado a pautar cada uma de suas decisões apenas e tão-somente por tal critério, sem ponderar a miríade de efeitos não-pretendidos que a máquina complexa da macroeconomia pode desencadear. Uma nesga de visão estratégica lhe permitiria enxergar que novos e sólidos avanços distributivos dependerão de recompor a capacidade de investimento do país, não da perpetuação de donativos sem lastro orçamentário.
A política de recuperação do salário mínimo vem de longe. De abril de 1995 a abril deste ano, registrou aumento real de 44%. O valor nominal progrediu de R$ 100 para R$ 350 nesse período. Paralelamente à elevação dessa e de outras despesas, veio definhando o investimento do setor público, uma das poucas variáveis passíveis de compressão.
Os R$ 13 ora acrescidos pela prodigalidade lulista geram uma despesa de mais de R$ 2 bilhões, em conseqüência da indexação ao mínimo de aposentadorias rurais e urbanas, de benefícios por deficiência ou invalidez, ou ainda de dispêndios com seguro-desemprego e abonos do PIS. Pode parecer pouco, num orçamento nominal de R$ 1,5 trilhão (no qual se embute, contudo, toda a dívida federal). Longe disso: ralos R$ 18 bilhões estão previstos para investimento em 2007, sem garantia de que venham a ser executados.
Em outras cifras, trata-se de comprometer antecipadamente, com gastos estéreis, 12% das escassas verbas que deveriam estimular a economia com obras de infra-estrutura, recuperação da capacidade gerencial do Estado e fomento à geração de tecnologia.
Ilude-se quem acreditar que os dispêndios com o aumento do mínimo poderão ser compensados com reduções na taxa de juros. São contas estanques, e novas despesas sempre terminarão por erodir a ínfima parcela orçamentária reservada para investimentos, uma vez que não se vislumbram condições de extorquir mais tributos da população.
Lula quer ver o país crescer 5% anuais, a qualquer custo, mas persiste no vício de solapar diuturnamente os planos que nem mesmo consegue pôr de pé.

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