Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 30, 2006

FERNANDO GABEIRA Governo e primos no aeroporto


Somos todos os caras de cima, que deveriam estar fazendo alguma coisa para domar o caos

PASSEI O último dia de trabalho no aeroporto de Brasília. Um fim digno do ano. Foram seis horas de espera. Supus que poderia terminar "O Paraíso na Outra Esquina", um romance de Vargas Llosa sobre Flora Tristan e seu neto, Paul Gauguin. Ilusão.
Havia outros de gravata, entre os turistas descontraídos que buscavam as férias. Uma família italiana me descobriu e me fez saber o absurdo de estarem ali, desde nove da manhã, sem informações. Você não é governo, mas de gravata no aeroporto, saindo do Congresso, todo mundo é, no mínimo, primo do governo. Somos todos os caras de cima, que deveriam estar fazendo alguma coisa para domar o caos.
Saí em busca de informações e descobri que não eram assim tão difíceis. Bastava olhar no computador onde havia indicações se o avião estava parado num aeroporto, se estava decolando ou já estava voando.
Tive a primeira intuição. Os computadores ficam na entrada do embarque. Se virássemos as telas para fora, os próprios viajantes tinham condições de interpretá-las. Daí em diante era só passar a voz.
Desde oito de dezembro previ o caos, numa entrevista a Paulo Moreira Leite, e procurei esboçar um plano que atenuaria o desconforto. Sou apenas primo do governo. Não tenho força para montar uma sala de crise em cada aeroporto, cuidar das crianças, ajudar aos doentes, passar informações precisas e freqüentes.
Algumas coisas escapam da cobertura da mídia.Uma delas é o sentimento de solidariedade que nos une no salão de embarque. Claro que, no momento em que anunciam que uns partem e outros, com a mesma passagem, ficam, há sempre uma certa agitação.
Mas as crianças ganham novos amigos. No meio de fraldas, mamadeiras e vômitos, reencontramos o passado próximo quando transitávamos com as nossas, pelos aeroportos do mundo.
Um turista ao entrar na sala disse: isto aqui parece um terremoto. Para mim o clima era mais próximo dessas escolas para onde vão refugiados de enchentes. Havia calor oposto à hostilidade surda dos que acabaram de perder um aumento de 91% nos salários.
Quando o avião levantou vôo, com seis horas de atraso, os passageiros para o Rio aplaudiram. Estávamos aliviados, tínhamos tempo para pensar nos perigos da Linha Vermelha na próxima hora.
Assim como no apagão elétrico que vivi no governo passado, constatei mais uma vez que a resposta dos usuários tem sido madura e construtiva.
Tanto o governo como seus primos da oposição têm o dever de dotar o país de um sistema de nível internacional nos aeroportos e na malha aérea. O ano termina como um poema de Drummond: nenhum problema resolvido.
Meus aplausos foram discretos. Não conseguia explicar, entretanto, o bom humor que me invadia quando o avião aterrizou. Não havia ninguém para abrir a porta. Perguntei a aeromoça se o cara do "finger" não tinha um celular. Poderia chamá-lo e completar assim minha última tarefa do ano.
Não foi preciso. A aeromoça decidiu abrir a porta mesmo sem ninguém do lado fora. Um ar quente chamado recesso envolveu nossos corpos e rindo fomos adiante, com nossos limites. Mesmo sendo apenas primos, sentimos no saguão que muitos se dirigiam a nós pedindo a todo tempo que assumíssemos um papel e talvez quisessem dizer isto: não importa onde você esteja, todos os de cima falharam conosco. Se virem em 2007.
Entramos o ano em dívida. A Linha Vermelha, que agradavelmente esquecemos, voltaria a nos preocupar. A série de atentados no Rio revelou a outra dívida fundamental.
A política de segurança foi um fiasco. O próprio chefe de polícia está sob investigação. Chegou a hora de mudar tudo. A base para isto é o apoio das forças especiais e também das Forças Armadas.
O dinheiro para isto? Há R$ 350 milhões destinados à segurança dos Jogos Pan-Americanos. É preciso precipitar este plano porque o próprio ano de 2007 já está começando.
As milícias e os traficantes dominam comunidades na ausência do Estado. Isto já aconteceu na China, antes de se criar o Estado nacional. Ou mesmo na Iugoslávia com a fragmentação do estado que existiu.
A neutralização do tráfico e das milícias nas comunidades pobres depende de uma decisão rápida. Quem ataca fica vulnerável. Os grupos armados que fazem uma ofensiva, quando não obtêm a vitória final, tornam-se abertos para a contra-ofensiva. O verão será quente.

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