Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Escândalo do dossiê O roteiro se cumpre

Vai sobrar para o mordomo

Ricardo Brito

Lula Marques/Folha Imagem
Mercadante: apontado como o beneficiário do dossiê contra tucanos

A Polícia Federal concluiu na semana passada a investigação sobre o escândalo do dossiê contra os tucanos. Só para lembrar: às vésperas do primeiro turno das eleições, petistas foram presos em São Paulo, quando se preparavam para comprar um conjunto de documentos fajutos que envolviam políticos do PSDB, como o ex-prefeito José Serra, com a máfia das sanguessugas. Os petistas presos carregavam dinheiro vivo, em reais e dólares, e tinham ligações com o comitê central da campanha do presidente Lula. Três meses depois, a polícia terminou o trabalho de investigação sem avançar um milímetro e ainda recuou sobre as evidências iniciais. O resultado é um relatório pífio, que, além de não esclarecer, ainda confunde. Muito conveniente, portanto, para os "aloprados" que montaram o esquema. O delegado Diógenes Curado, o chefe das investigações, decidiu indiciar sete pessoas – quase todas personagens secundárias da trama. A mais graúda delas é o senador Aloizio Mercadante, que disputou e perdeu as eleições ao governo de São Paulo para o tucano José Serra. Segundo o delegado, Mercadante é culpado porque seria, teoricamente, o principal beneficiário das informações contidas no dossiê. Além disso, um dos envolvidos, Hamilton Lacerda, era seu assessor de comunicação. E o dinheiro usado na compra, ora veja só, foi omitido na prestação de contas da campanha do petista, o que levou o delegado a acusar Mercadante por crime eleitoral.

Dida Sampaio/AE
O delegado Diógenes: relatório pífio e conveniente

"Jogaram a responsabilidade nas minhas costas para omitir o fracasso das investigações", reagiu o senador. Mercadante tem certa razão em protestar. É, sem dúvida, uma das conclusões mais estapafúrdias produzidas pela inteligência policial brasileira. Não que não haja indícios do envolvimento do senador e de seus assessores. Hamilton Lacerda, que foi filmado levando dinheiro ao local onde seria feito o negócio, é de seu círculo íntimo. O problema é a lógica – ou a falta dela – usada pela polícia para estabelecer as conexões e responsabilidades de cada um no caso. Segundo o delegado Diógenes, os petistas demonstravam "indignação" com o rumo da CPI das Sanguessugas, que atribuía "toda a culpa da fraude" ao governo Lula, "quando se sabia que o início de tudo foi no governo Fernando Henrique Cardoso". Se essa é a gênese do crime, conforme afirma o próprio delegado responsável pela investigação, é difícil compreender o que o leva a acreditar que apenas o senador Mercadante seria beneficiado com a divulgação do dossiê. Ele desconsiderou, por exemplo, o fato de que Lula disputava a eleição com um tucano e que a maioria dos envolvidos no caso trabalhava no comitê de campanha do presidente em Brasília. Sobre o 1,7 milhão de reais apreendido com os petistas, o delegado reconhece que não foi capaz de chegar à origem do dinheiro, mas especula que ele saiu do caixa dois da campanha petista em São Paulo.

Celso Júnior/AE
Dida Sampaio/AE
Celso Júnior/AE
EXPEDITO VELOSO, CAROCHINHA 1: não sabia do dinheiro RICARDO BERZOINI, CAROCHINHA 2: não sabia do dinheiro OSVALDO BARGAS, CAROCHINHA 3: não sabia do dinheiro

No QG petista, em Brasília, o resultado das investigações foi recebido com satisfação, é claro. Para não complicar Lula, toda a estratégia de defesa dos envolvidos sempre foi a de tentar restringir a responsabilidade da operação de compra do dossiê à campanha de Mercadante – exatamente como acabou de fazer a Polícia Federal. Dos sete indiciados, apenas um, o ex-policial Gedimar Passos, trabalhava para o comitê reeleitoral do presidente. Mas não tinha jeito de deixá-lo de fora: ele foi preso em flagrante num quarto de hotel em São Paulo com uma mala cheia de dinheiro. Em seu primeiro depoimento, Gedimar apontou Freud Godoy, então assessor especial do presidente Lula e conhecido por dar cobertura a ações de alto risco do PT, como coordenador da operação de compra do dossiê. Gedimar foi contratado por Jorge Lorenzetti, chefe do setor de inteligência da campanha presidencial, e atuava em conjunto com Osvaldo Bargas e Expedito Veloso, outros dois integrantes do comitê de reeleição do presidente. O coordenador da campanha de Lula e chefão do grupo, o deputado Ricardo Berzoini, também estava ciente do caso. Todos confirmaram à polícia seu grau de participação na operação para obter e divulgar os documentos, mas disseram que não sabiam que se tratava de um negócio à base de dinheiro. Por isso, nenhum deles foi indiciado. Pelo jeito, a PF também acredita em duendes.

JF Diorio/AE
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FREUD GODOY, CAROCHINHA 4: não sabia de nada JORGE LORENZETTI, CAROCHINHA 5: não sabia do dinheiro

Como explicar, então, a participação de Gedimar, o homem da mala, que não tinha nenhuma ligação com a campanha paulista? Passados alguns dias de sua prisão, já orientado por advogados, ele disse que foi torturado e induzido a acusar Freud Godoy – e se calou sobre o dinheiro. Agora, indiciado, vai ter de inventar uma outra história da carochinha para a Polícia Federal acreditar. E tudo indica que, para convencer delegados tão bonzinhos, ela não precisará ser elaborada. Afinal de contas, não havia mesmo razão para os assessores da campanha presidencial se envolverem em tamanha trapalhada. É o que os petistas sempre disseram. Quanto a Mercadante, como não há provas de sua ligação direta com a compra do dossiê fajuto, o processo não deverá seguir adiante. Fica combinado, assim, que a culpa recairá sobre o mordomo. Elementar, meu caro Diógenes.

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