Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Descrédito absoluto


EDITORIAL
Folha de S. Paulo
27/12/2006

Que tipo de regulação da aviação civil é essa que não parece capaz de se antecipar a uma "bolha" na reserva de passagens?

DEPOIS DE arrombada a porta, encomenda-se o cadeado. Esse clássico da sabedoria convencional está sendo enfatizado e posto à prova, a um só tempo, ao longo da crise no setor aéreo.
Enfatizado, porque muito do que se pensava natural na regulação de atividade tão complexa somente após o estrago está sendo implantado -na base do improviso. Posto à prova, porque vários episódios de "arrombamento" já ocorreram em menos de três meses sem que um "cadeado" capaz de encerrar a crise tenha sido providenciado.
De cada cem vôos previstos para decolar no país de 22 a 24 de dezembro, quase 50 sofreram atraso de mais de uma hora e 7 foram cancelados. Dramas como o da pedagoga Alda Schmitt -levou 60 horas para viajar de Manaus (AM) a Maringá (PR)- estão escondidos na frieza da estatística. Num prenúncio do que será o Réveillon, os atrasos voltaram a aumentar ontem.
O passageiro merece respeito, refletiu o presidente Lula dois meses após a eclosão do primeiro episódio de anarquia aérea. Com a porta arrombada mais uma vez, as autoridades chegaram à conclusão de que o problema não se resumia aos controladores de vôo e sua "greve branca". O "overbooking" (reserva de passagens acima da capacidade de transporte), especialmente por parte da maior empresa aérea do país, foi o culpado da vez.
Só então o governo resolveu agir: colocou aviões da FAB no transporte de passageiros, proibiu a TAM de vender bilhetes no fim de semana e anunciou uma auditoria nas passagens da companhia. Que tipo de regulação da aviação civil é essa que não é capaz de detectar com antecedência uma "bolha" na venda de passagens e evitar a sua "explosão"?
Bilhetes para o fim do ano são vendidos com meses de antecipação. É inadmissível que o Estado -titular das concessões sob as quais as empresas operam e responsável pela gestão e pela segurança do sistema- não tenha controle sobre o fluxo de passagens que vão sendo reservadas. É espantoso que não tenha desenvolvido know-how nesse sentido logo após o estouro da crise.
Apenas agora, aliás, o governo promete fixar funcionários nos aeroportos para prestar contas aos passageiros -medida óbvia, mas a ser tomada no primeiro minuto do descontrole aéreo.
O pior é que ninguém mais acredita no que o governo diz a respeito da crise. Em vez de aprofundar-se no tema, descobrir as causas emergenciais e estruturais da baderna, comunicá-las ao público e atacá-las com toda a energia, as autoridades responsáveis, a começar do presidente da República, se esmeram no jogo de cena. Mais de uma vez trombetearam o "fim" da crise.
O descrédito em que estão mergulhando todo o sistema de tráfego aéreo de um país continental ainda vai custar muito caro ao Brasil. Anos de trabalho sério serão necessários para superar a má fama que a incompetência, a irresponsabilidade e o diletantismo associaram à imagem dos aeroportos brasileiros.

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