Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 30, 2006

A raposa e o porco-espinho



Editorial
O Estado de S. Paulo
30/11/2006

Tomem-se duas passagens do discurso de terça-feira do presidente Lula na Confederação Nacional da Indústria (CNI) e dificilmente se conseguirá escapar de uma conclusão inquietante. Em dado momento de sua resposta ao duro pronunciamento do presidente da entidade, Armando Monteiro Neto, cobrando do governo um ataque frontal à questão fiscal para "ligar a ignição do crescimento", Lula mostrou ter a "determinação e clareza" que o orador dele exigia - mas em relação à integridade dos fundamentos da política econômica do primeiro mandato. Ele assegurou que não permitirá a volta do que denominou "vandalismo econômico" para se referir ao afrouxamento das diretrizes da austeridade, citando explicitamente as pressões pela renegociação das dívidas dos Estados. "Não me venham os governadores dizer que tem de mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Voltar à irresponsabilidade que esse país já teve nós não voltaremos."

Ainda nesse contexto, denunciou a leviandade dos congressistas que "fazem discursos dizendo que querem ser sérios", mas aprovaram a extensão do décimo terceiro salário aos beneficiados com o Bolsa-Família e aumento de quase 17% nas aposentadorias, "como se aquilo fosse apenas uma peça de campanha, sem a conseqüência do dia seguinte da irresponsabilidade". Na segunda passagem da sua fala para a qual se deve atentar, afirmou ser necessário "um bando de mágicos para que a gente tente encontrar uma saída para fazer esse país voltar a crescer". E, no mesmo diapasão, emendou: "Faz 20 dias que eu não faço outra coisa a não ser discutir como destravar esse país."

A conclusão inexorável da leitura dos dois trechos é que ao presidente se aplica a famosa máxima do filósofo grego Arquíloco (680-645 a.C.) sobre a raposa, que sabe muitas coisas, e o porco-espinho, que sabe perfeitamente bem uma só. Lula sabe perfeitamente bem e permanece rigorosamente fiel ao que aprendeu sobretudo com o responsável pelo seu programa de governo em 2002, depois ministro da Fazenda, Antonio Palocci: a disciplina fiscal é um princípio de condução dos negócios públicos que transcende ideologias e não pode ser transgredido, nem mesmo em nome da meta do desenvolvimento com justiça social, porque a transgressão é meio caminho andado para a derrocada desse objetivo no momento seguinte. Como diriam os seus companheiros, o presidente "se conscientizou" dessa verdade e indica que dela não arredará pé. Se realmente não arredar, o Brasil lhe será grato.

Inquietante, porém, é a evidência - mais nítida a cada manifestação presidencial - de que ninguém o ensinou a conjugar a obediência ao primado da responsabilidade fiscal, em sentido amplo, com a promoção do crescimento. Anteontem ele não se deu conta, aparentemente, da péssima nota que deu a seu próprio desempenho, na confissão sobre os últimos 20 dias dedicados metaforicamente em tempo integral à procura das ferramentas para destravar a economia. Luiz Inácio Lula da Silva completa hoje 1.430 dias no comando do País e permanece, como no dia da posse, incapaz de ir além, na esmagadora maioria das situações, do enunciado dos grandiosos objetivos a alcançar. Agora que é hora de capitalizar os ganhos razoáveis no controle da inflação e no ajuste fiscal - consolidando-os para avançar -, o presidente caminha para o segundo mandato vergado pela herança maldita do primeiro: a escassez de iniciativas favoráveis ao crescimento e o excesso de palavras a respeito.

Medidas que ele poderia e deveria ter posto em marcha desde que subiu ao Planalto, em janeiro de 2003, continuam no papel, como promessas - para não antes de fevereiro - destinadas a devolver ao governo a capacidade de investir e a conter a expansão dos seus gastos com pessoal, manutenção da máquina e programas sociais, as chamadas despesas correntes. Nos planos, mudanças na legislação ambiental, expansão dos Projetos Pilotos de Investimento (PPIs), imposição de um piso para a redução do gasto anual de até 0,2% do PIB, unificação dos parâmetros para reajuste do funcionalismo nos três Poderes e contingenciamento de verbas orçamentárias em bases anuais. Ao mesmo tempo, Lula descarta a reforma previdenciária que impediria o agravamento do déficit do INSS ao longo do tempo e daria um alento aos investidores. Pelo visto, falta alguém que o convença - entre outras coisas - de que a reforma não visa à próxima gestão, mas à próxima geração.

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