Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 25, 2006

O envenenamento como arma contra os inimigos do governo

CAIU MAIS UM

Os adversários do russo Putin acabam
morrendo por tiro ou veneno. Para ele
é só coincidência

Reuters

Alistair Fuller/AP
Litvinenko no hospital, à esquerda, e antes de ser envenenado, à direita: o veneno fez cair o cabelo

A prática de eliminar desafetos do regime comunista dentro e fora do país era uma das marcas registradas da KGB, o serviço secreto da União Soviética. Entre os métodos preferidos dos espiões russos estava o envenenamento, porque garantia um assassinato discreto, sem deixar rastros. Quinze anos depois do fim do império soviético, na Rússia do presidente Vladimir Putin os inimigos do regime continuam vivendo perigosamente e morrendo cercados de mistérios. Na semana passada, Alexander Litvinenko, um ex-espião da FSB (novo nome da KGB desde 1991), morreu em um hospital de Londres, na Inglaterra, por envenenamento. A agonia do russo durou três semanas. Pouco antes de ele morrer, na quinta-feira, os médicos encontraram em seu corpo uma concentração anormal do material radioativo polônio 210. O elemento químico existe em pequena quantidade nos cigarros e em alguns alimentos. É altamente cancerígeno. Se ingerido em doses elevadas, pode levar à morte em questão de dias, como ocorreu com o russo. As suspeitas do envenenamento imediatamente se voltaram para a FSB e o Kremlin. Litvinenko, exilado na Inglaterra havia seis anos, era um inimigo declarado de Putin (também um ex-agente da KGB). O espião caiu em desgraça na FSB quando, em 1998, acusou seus chefes de ter ordenado que ele matasse o bilionário russo Boris Berezovsky, outro desafeto do presidente. Litvinenko teria se negado a cumprir a missão.

Fyodor Savintsev/AP
Politkovskaia, morta no mês passado: caça aos opositores


A tese de que Litvinenko foi morto por espiões russos ganhou credibilidade porque seu assassinato repete com perfeição os métodos usados pela KGB no passado. Um dos casos mais espetaculares foi o do jornalista búlgaro Georgi Markov, morto em 1978 por envenenamento com ricina, em Londres, injetada em seu corpo com a ponta de um guarda-chuva. Nos últimos anos, o envenenamento de pessoas que criticam abertamente Putin tornou-se uma constante. O presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko, teve o rosto desfigurado pela dioxina que, suspeita-se, foi colocada em sua comida durante um jantar com o embaixador russo. Corria a campanha eleitoral de 2004, e Yushchenko prometia peitar a Rússia. No mesmo ano, a jornalista Anna Politkovskaia, outra desafeta de Putin, quase morreu envenenada – segundo ela, a mando da FSB. No mês passado, Anna foi morta a tiros em Moscou, pouco antes de publicar uma reportagem em que denunciava crimes de guerra na Chechênia.

O governo de Putin nega o envolvimento com qualquer um desses casos. Atribui tudo à coincidência e aos exageros da imprensa. Litvinenko morreu justamente quando estava empenhado em investigar a morte de Anna Politkovskaia. No dia em que foi envenenado, ele se encontrou com Mario Scaramella, consultor de segurança italiano, que dizia ter pistas sobre o assassinato. Antes, tomou chá com dois russos em um hotel londrino. Na semana passada, a polícia encontrou indícios do veneno que matou Litvinenko tanto no restaurante japonês onde o ex-espião se encontrou com Scaramella quanto no bar do hotel. Como nos tempos da Guerra Fria, o culpado nunca será apontado.

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