Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 23, 2006

Fala sério!- CARLOS ALBERTO SARDENBERG




O Globo
23/11/2006

Entre as ousadias solicitadas pelo presidente Lula, estão oferecendo uma sensacional: economizar R$50 bilhões, em três anos, só com um choque de gestão no governo e no INSS. Trata-se de uma fortíssima redução de despesas, equivalente a 2,5% do Produto Interno Bruto atual ou um corte de 20% nos gastos previdenciários.

Duas coisas espantam. Uma é o tamanho da economia - e sem a aplicação de mudanças estruturais, inclusive na Previdência, como a aplicação de idade mínima para aposentadoria ou a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo, duas "maldades" que o governo rejeita. O segundo espanto vem disso mesmo - a gestão pública deve ser a pior e a mais corrupta do mundo, para que seja possível cortar tudo isso só com eficiência e honestidade, os ingredientes de um choque.

Só por aqui já dá para desconfiar que estão exagerando nas contas. Mas tudo bem, admitamos que se consiga essa economia de R$50 bilhões em três anos. Sabe quanto duraria? Uns sete anos, numa hipótese bem conservadora e considerando-se apenas os gastos previdenciários.

Hoje, 16,5 milhões de beneficiários do INSS recebem o salário mínimo e esse número aumenta 450 mil por ano, na média dos últimos oito anos. Partindo daí e supondo que o salário mínimo terá daqui em diante apenas o reajuste pela inflação - de 4% ao ano, sem nenhum ganho real -, em 2013, com o mínimo valendo R$470, aqueles R$50 bilhões teriam sido inteiramente consumidos.

Ou seja, um enorme esforço de gestão, ao longo de três anos, seria consumido nos quatro anos seguintes só com a correção do salário mínimo. E isso sem a concessão de aumento real, hipótese que o presidente Lula rejeita de imediato.

Assim, supondo ganhos reais anuais de 5% para o mínimo, a economia do choque não dura mais que quatro anos. A partir de 2010, o déficit da Previdência voltaria a subir só por conta do aumento do salário mínimo, considerando-se que todas as demais despesas teriam permanecido constantes em valores nominais, com reajuste zero ao longo do período.

Eis uma ilustração da mágica que o presidente Lula está querendo com o pacote pró-crescimento. Mesmo que se consiga uma brutal - e improvável - redução de gastos, sem a aplicação de qualquer maldade, e imaginando hipóteses inviáveis, como o congelamento das aposentadorias acima do mínimo, o déficit previdenciário reaparece em pouco tempo do jeito que está hoje, crescente e insustentável. E o gasto público retoma sua tendência de crescimento.

Além disso, no setor privado, de onde vêm essas idéias, não há choque de gestão sem redução de pessoal. Isso seria uma verdadeira ousadia no setor privado, mas praticamente impossível com a legislação vigente. E alguém acredita que o presidente Lula e seus colegas sindicalistas topariam demissões?

Quando rejeitou a primeira versão do pacote levado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente Lula reclamou da "mesmice" das medidas. Reclamou também, conforme relato de petistas que estiveram com ele, dos economistas que só falam a mesma coisa. E teria levantado, conforme esse mesmo relato, algumas sugestões de ousadia, como a possibilidade de aplicar dólares das reservas internacionais em investimentos públicos internos.

Ou os interlocutores entenderam mal ou o presidente entende mal de finanças públicas. Não existe a menor possibilidade de se utilizar reservas internacionais com essa finalidade, dirão os economistas, no que é uma mesmice, óbvio ululante universal.

Este colunista até desconfia quem é o economista que anda sugerindo essas ousadias ao presidente Lula. Deve ser o mesmo que sugeria coisas parecidas ao então presidente Itamar Franco, que as comprava sem vacilar e passava a questionar o pessoal de sua equipe econômica. Para a pura diversão daquele economista, tão ousado quanto gozador.

Em resumo, toda vez que o governante começa a reclamar medidas ousadas, diferentes e novas é porque não se conforma com a realidade, sempre aborrecida. No caso brasileiro, o caminho é: encolher o setor público como proporção do PIB, abrir caminho para o investimento privado. Por exemplo: privatizar é correto, quer seja por concessões ou Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Também é uma obviedade que o sistema de gastos públicos está construído de tal modo que será difícil e demorado reformá-lo. Vai levar muito tempo e muita medida quadrada - como não dar aumento real ao salário mínimo - para começar a reduzir o gasto corrente do governo.

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