Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 28, 2006

Celso Ming - Um conceito e seus disfarces

Celso Ming - Um conceito e seus disfarces


O Estado de S. Paulo
28/11/2006

Disfarçadamente, a idéia inominável do crescimento potencial está de volta.

Em tese, trata-se do tanto que a economia pode crescer sem provocar inflação. Há três anos, o Banco Central dava a entender que, no caso brasileiro, esse número gira em torno dos 3,5% ao ano: passou daí, aumenta o risco de inflação.

Essa avaliação foi objeto de veementes discussões e, como não pode deixar de ser, a conclusão de que o Brasil não consegue avançar mais do que 3,5%, quando o resto do mundo emergente vai trotando a mais de 5% sem dramas inflacionários, foi vivamente rechaçada. Foi entendida como resistência neurótica dos luminares do Banco Central a um País em crescimento que cria empregos e salta para o futuro.

Ou, então, foi apontada como fruto do manejo de metodologias questionáveis. O ex-ministro Delfim Netto tem dito, por exemplo, que o tal limite dos 3,5% deve ter sido definido por aplicação de uma certa linha de tarô apenas conhecida pelos dirigentes do Banco Central. O próprio Delfim vem lembrando que desde Charles Darwin sabe-se que a necessidade cria o órgão; que, por isso, descasamentos entre procura e oferta são da vida; e que, em geral, os investimentos só se realizam depois do aparecimento do mercado consumidor e não do contrário. De onde se conclui que esperar pela maturação dos investimentos para só então liberar o consumo seria uma cretinice.

Não se sabe se contidos pelas críticas ou se por alguma insegurança metodológica, os dirigentes do Banco Central deixaram de insistir no conceito de crescimento potencial. Quando perguntado sobre o tema, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem recorrido a evasivas; diz que o Banco Central não calcula crescimento potencial.

O conceito voltou sob três disfarces e, desta vez, não tem como fonte nenhum guru do Banco Central. Uma dessas voltas foi apontada pelo próprio presidente Lula. Ele reconheceu há dez dias que o crescimento econômico está "travado", por uma série de obstáculos: falta de agilidade na concessão de licenças ambientais, paralisia da Justiça e, obviamente, pela excessiva carga tributária.

E encarregou os ministros da área econômica de indicar como essas travas podem ser removidas para que o País possa crescer 5% ao ano. Ficou entendido que, se não forem removidas, essas travas embotarão crescimento potencial.

Outro limitador do investimento é o risco do apagão energético. Há três semanas, dois economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Paulo Mansur Levy e Renato Villela, concluíram que o atraso nos investimentos destinados a aumentar a capacidade de geração de energia elétrica e as dúvidas que ainda persistem no marco regulatório são fortes bloqueios ao crescimento. E, quando há dúvidas sobre capacidade futura de suprimento de energia elétrica, os investidores em quaisquer outros setores importantes da economia também se retraem.

O terceiro elemento vem sendo fornecido pelo IBGE e pelas estatísticas do comércio. Como esta coluna já enfatizou, o consumo está crescendo em torno dos 6% ao ano e, enquanto isso, a produção industrial segue em marcha bem mais lenta, abaixo dos 3% ao ano.

No momento, a incapacidade da indústria em suprir toda a demanda está sendo compensada por importações. É o que explica por que não há inflação de demanda, que é a alta de preços proveniente de um consumo superior à capacidade de oferta.

Este é um fator que está longe de sinalizar a existência de um limitador do crescimento econômico, mas exige o questionamento das causas dessa estranha incapacidade de que sofre a indústria de responder a condições favoráveis de mercado.

Em todo o caso, há em tudo isso uma novidade e ela está em certa mudança na qualidade do diagnóstico. Até recentemente, os dois grandes culpados pelo baixo crescimento econômico eram os juros escorchantes e o câmbio fora de lugar. Ora, os juros continuam escorchantes e o câmbio continua fora do lugar e, no entanto, o consumo avança a 6% ao ano, como ficou dito. Donde se conclui que as travas estão mais embaixo. Têm mais a ver com a gastança federal, que abocanha quase 40% da renda, puxa pelo endividamento (e pelos juros) e pouco ou quase nada deixa para o investimento. E, não há como negar, têm a ver com a falta de firmeza das regras do jogo (marco regulatório).

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