Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 24, 2006

Celso Ming - Reforço na Eletrobrás



O Estado de S. Paulo
24/11/2006

O ministro do Planejamento, paulo bernardo , avisou que o governo Lula está estudando a venda ao público de ações da Eletrobrás hoje em poder do Tesouro Nacional. O objetivo é um só: captar recursos para financiar a expansão do setor elétrico, ameaçado por novo apagão.

Esses recursos seriam obtidos de duas maneiras: pela venda de ações e pelo aumento do endividamento hoje inviabilizado porque, na condição de empresa estatal, o aumento do passivo da Eletrobrás aumentaria o endividamento público.

O presidente Lula quer que a gigantesca, porém capenga, Eletrobrás se transforme na Petrobrás ou na Vale do setor energético; quer que seja capaz de liderar o avanço do setor.

Lula parece impressionado por dois fatos: (1) pela enorme capacidade que tem hoje a Petrobrás de investir, uma vez que programou o desembolso de US$ 87,1 bilhões (até 2011) em antigos e novos projetos de prospecção, desenvolvimento, produção, refino, transporte e distribuição de petróleo e derivados; e (2) pela impressionante capacidade de endividamento da Vale do Rio Doce, que acaba de tomar empréstimos no mercado internacional de US$ 13,7 bilhões destinados a dar cobertura à compra do controle acionário da mineradora canadense Inco.

Há inúmeras observações a fazer com base apenas nesse projeto do governo para a Eletrobrás. O primeiro deles é, mais uma vez, o reconhecimento de que o setor público não dispõe de recursos para investir em infra-estrutura. E, sem investimentos em infra-estrutura não é possível crescer 5% ao ano, como quer o governo.

Apesar do seu tamanho, se fosse relegada à sua própria sorte, a Eletrobrás tenderia a definhar e seria incapaz de atender às necessidades de energia elétrica do País. Por isso, é preciso recorrer a recursos privados, fonte em grande parte estancada pela fúria antiprivatizante do atual governo. A idéia de vender mais ações da Eletrobrás ajuda a equacionar o problema.

E aí vamos à questão seguinte. Durante a campanha eleitoral, o PT achincalhou iniciativas que, de alguma maneira, pudessem lembrar privatização. O programa que permitiu o salto do setor siderúrgico, o da telefonia, o da mineração e o da Embraer foi chamado pura e simplesmente de "privataria".

Até mesmo a Parceria Público-Privada (PPP), sistema aprovado pelo governo Lula, que prevê a construção e a posterior administração do trecho 4 do metrô paulistano por um consórcio privado, foi combatida pelo partido do governo.

O projeto do governo paulista de lançar ao público ações da Nossa Caixa, controlada pelo Tesouro paulista, sem transferência do controle acionário, foi acusado de manobra de entrega de patrimônio público a interesses privados. Ironicamente, a idéia de lançamento de ações da Eletrobrás, agora revelada aparentemente como balão de ensaio, não difere muito do que se pretendia em São paulo com esse bombardeado projeto da Nossa Caixa. E, no entanto, o que foi condenado num governo tucano vai sendo recomendado agora pelo governo PT.

A segunda observação é a de que a falta crônica de recursos é apenas um dos obstáculos à necessária expansão do setor energético. Os atrasos e as indefinições nas concessões de licenças ambientais são, como todos sabemos, uma tragédia. A falta de clareza tarifária, fator determinante da viabilidade de um investimento, é um drama. A falta de regras para transporte e distribuição do gás, combustível do qual a geração de energia elétrica será cada vez mais dependente, é outro.

Não basta arrumar dinheiro para o investimento. É preciso parar de vacilar e parar de ter vergonha de tomar as decisões administrativamente corretas. O trabalho dos economistas paulo Mansur Levy e Renato Villela, do IPEA, divulgado há duas semanas, mostrou que o risco de colapso na oferta de energia elétrica é real. É um fator que, por si só, bloqueia o crescimento e trava decisões de investimento até mesmo do setor privado.

Em todo o caso, as informações sobre o que o governo realmente pretende da Eletrobrás são precárias. Ainda não dá para apostar que mudanças para melhor estejam para acontecer no segundo mandato Lula. São apenas um indício disso.

Arquivo do blog