Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 28, 2006

Sexo por baixo dos panos no Islã



Os tabus sexuais e a rígida lei islâmica não
impedem que os muçulmanos encontrem
subterfúgios para o sexo fora do casamento


Denise Dweck


Staton Winter/Getty Images
mages
Grupo de mulheres cobertas pelo véu em frente a propaganda de biquíni no aeroporto de Istambul, na Turquia. À direita, site pornográfico para clientes muçulmanos


O rigor puritano do mundo islâmico está sendo desafiado por detrás do véu. O Irã é um exemplo notável. Desde que tomaram o poder no fim dos anos 70, os aiatolás proibiram as mulheres de se encontrar a sós com um homem que não seja parente. Quem subir aos parques das montanhas Alborz, na periferia norte de Teerã, no entanto, verá uma nítida contradição entre a vontade oficial e a vida real. Os parques que ficam nas encostas estão apinhados de namorados, alguns escandalosamente de mãos dadas, em aberto desafio à autoridade religiosa. O que ocorre no Irã tem uma dimensão local: a nova geração iraniana, sobretudo os jovens com maior nível de educação, está farta dos rigores medievais impostos pelo clero à vida particular das pessoas. Mas também reflete um fenômeno comum à maioria dos países muçulmanos: os tabus sexuais tradicionais estão começando a ser postos em xeque, ainda que continuem impondo suas regras no dia-a-dia. A revolução branda nos costumes sexuais ocorre principalmente entre os jovens, que formam a maioria da população do mundo islâmico. Seis em cada dez árabes têm menos de 25 anos.

Isso acontece, em parte, porque a internet, a TV e outras tecnologias simplesmente tornaram impossível manter o mundo moderno do lado de fora das fronteiras do Islã. Um dos mais populares sites de namoro do Irã oferece 110.000 perfis de interessados em encontrar parceiro. Na TV via satélite, é possível assistir à liberdade de relacionamento entre homens e mulheres nos programas europeus e americanos. O choque cultural é enorme. Entre as famílias muçulmanas tradicionais, o primeiro encontro de dois jovens deve ser no momento de uma proposta de casamento feita pelos pais. Para romper essa restrição, rapazes e moças de Dubai usam o telefone celular para a primeira aproximação. Nos shoppings e em outros pontos de paquera, os homens enviam mensagens de texto às garotas com o rosto escondido pelo véu, batem papo, trocam juras de amor e conseguem acabar a conversa em um hotel, com toda a discrição. "É difícil para os conservadores reprimir esse contato, porque os jovens têm acesso a tecnologias e querem liberdade", disse a VEJA o canadense Khaleel Mohammed, professor de religião na Universidade de San Diego, na Califórnia. Mohammed foi forçado a abandonar a carreira de clérigo muçulmano devido a um sermão no qual defendeu a liberdade de namorar.


AFP
Paquistanês dá flores à namorada, em Lahore: sexo, só casados

O sexo fora do casamento é proibido pela sociedade e pela religião muçulmanas. Mas existe uma série de artifícios e subterfúgios para driblar a proibição sem incorrer na ira de Alá. No Cairo, os casais vão ao apartamento de amigos para namorar. Nos hotéis, pedem suítes separadas e, durante a noite, um passa para o quarto do outro. Os médicos egípcios tornaram-se especialistas em restauração do hímen, requisito essencial para um casamento. A cirurgia, que custa em média 170 dólares, pode incluir até a inserção de uma cápsula com líquido vermelho para simular o sangue na noite de núpcias. Até na rigorosa Arábia Saudita há como escapar às regras medievais, sobretudo para os homens. Os sauditas mais ricos viajam à Tailândia e às Filipinas para se encontrar com garotas que conheceram pela internet. Ou vão ao Cairo ou a Beirute à procura de prostitutas. O contrato informal de casamento é um recurso usual para o sexo casual ou com prostitutas em muitos países. Xiitas e sunitas têm artifícios diferentes para casamentos temporários. O mutah dos xiitas é, como diz a tradução do árabe, um "casamento por prazer", sem as obrigações de uma união estável, e pode durar de algumas horas a vários anos. "Com o mutah, o homem não precisa sustentar a mulher, nem ela precisa viver na casa dele", disse a VEJA a canadense Lynda Clarke, professora de islamismo da Universidade Concordia, em Montreal. Os sunitas, a maioria no mundo islâmico, recorrem ao urfi, casamento temporário feito perante pelo menos uma testemunha. A maioria dos Estados não reconhece esse tipo de casamento, mas o faz-de-conta é o que basta para o casal escapar da sanção religiosa ou social.

"No mundo muçulmano, dois jovens juntos, mesmo que não façam nada de mais, logo são suspeitos de estar em uma relação que envolve sexo, o que não é bem-visto", diz o americano Mario Ruiz, professor de história moderna do Oriente Médio na Universidade Hofstra, em Nova York. Por isso, os encontros de namorados acabam sendo em grupo, para não dar margem a suspeitas. No Egito, é comum casais se reunirem com outros para ir ao parque ou ao cinema. "Dessa forma, a moça pode mostrar que só esteve com o namorado naquele momento e que nada mais aconteceu", diz Ruiz. A pressão é maior sobre as mulheres. Uma pesquisa feita pela Universidade Americana de Beirute, no Líbano, em 2003, mostrou que 49% dos alunos muçulmanos eram a favor do sexo antes do casamento. Entre as alunas muçulmanas, essa aceitação era bem menor: apenas 13%. A internet é outro grande subterfúgio em países muçulmanos. Perto de 80% do tráfico de internet no mundo árabe é de pornografia.

A possibilidade de encontrar brechas para o sexo é menor para jovens pobres. Pelo costume tradicional, o noivo deve demonstrar que está em condições de ser provedor da família, mas isso está além das posses de muita gente. No Afeganistão, a taxa de desemprego chega a 40%. Na rica Arábia Saudita, a falta de recursos para iniciar a vida de casado é um problema tão agudo que a realeza criou um programa especial de doações para noivos carentes. Com isso, os jovens muçulmanos acabam levando muito tempo para se casar. Por toda parte há grande contingente de trintões solteiros e virgens. À medida que se desce a escala social, mais complicado se torna o sexo fora do casamento. Entre as populações mais tradicionalistas, nas cidades menores e aldeias, qualquer transgressão das normas de moralidade é considerada uma afronta grave à família. A reputação de uma moça pode ser arruinada sem fatos concretos, por pura fofoca. Nesses casos, é comum que a família se encarregue de limpar sua honra matando uma filha ou irmã. São os chamados crimes de honra. No Paquistão, só na província de Punjab, 888 mulheres foram vítimas de crime de honra em 1998, o último dado disponível. Na Jordânia, cerca de cinqüenta jovens são recolhidas ao xadrez a cada ano para evitar que sejam mortas pelos próprios parentes. Esse costume terrível muitas vezes acompanha os imigrantes: na Inglaterra já foram registrados mais de 110 casos com todo o jeito de serem crimes de honra. A revolução sexual já começou no mundo muçulmano – mas, por enquanto, ainda exige cuidados e discrição.

Com reportagem de Thomaz Favaro

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