Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 29, 2006

FERREIRA GULLAR Hora de optar




O demagogo engana o eleitor para obter-lhe o voto, vence a eleição e fica de mãos atadas

CERTAMENTE, NÃO estarei dizendo nada de novo ao observar que as campanhas eleitorais, por serem uma disputa, terminam por descolar-se da realidade do país e tornar-se a simples busca, a qualquer custo, do voto do eleitor.
E, dependendo do maior ou menor escrúpulo do candidato, essa busca pode envolver acusações, calúnias e até falsos dossiês. Entra-se francamente no terreno do vale-tudo que conduz a alianças espúrias, promessas mentirosas e ao abandono de toda e qualquer ética.
Os que aderem a este ou àquele candidato também se entregam ao mesmo desvario, à mesma paixão, e passam a tudo justificar, ainda que com isso contrariem os valores que sempre defenderam. Comportam-se como torcedores fanáticos durante uma partida de futebol, que tudo admitem, desde que contribua para a vitória de seu time. Claro que esse não é o comportamento da maioria do eleitoral, mas de uma pequena parte dele, aquela que efetivamente participa e se engaja na campanha eleitoral. Não obstante, de uma maneira ou de outra, influi na decisão dos eleitores e, conseqüentemente, no resultado das urnas.
Para não ficarmos em generalidades, cito o exemplo do uso que Lula fez da afirmação de Alckmin, de que, para o país crescer, seria necessário reduzir despesas. O presidente-candidato afirmou que a intenção do seu adversário, ao afirmar isso, era fazer demissões e cortar no vencimento dos funcionários públicos, uma vez que, garantiu ele, "o país pode crescer sem reduzir gastos".
Todo mundo sabe que isso não é possível e que o objetivo de Lula foi jogar o funcionalismo contra Alckmin. Os entendidos em economia afirmam que o Estado brasileiro gasta mal e que as despesas têm crescido de ano para ano. Agora mesmo, depois do novo aumento de vencimentos com que o Judiciário se presenteou, já se noticia que o mesmo farão os senadores, o que resultará certamente em novos acréscimos salariais para deputados e funcionários do Legislativo. Por efeito dominó, esses aumentos terão reflexo sobre os vencimentos do funcionalismo, dos deputados estaduais e vereadores do país inteiro.
A máquina pública brasileira já é das mais caras do mundo. Nada mais sensato e verdadeiro, portanto, do que afirmar que se deve deter essa sangria de recursos que, somada a tantos desperdícios, inviabiliza o crescimento do país e agrava crises, como a da saúde pública, enquanto, ao mesmo tempo, anula a ação governamental diante dos demais problemas sociais.
Lula sabe disso e, se afirma o contrário, é por oportunismo eleitoral, como aliás afirma qualquer coisa desde que lhe pareça conveniente. Haverá quem diga que "eleição é assim mesmo", mas isso não impedirá que, depois, à frente do governo, o presidente eleito tenha dificuldades de tomar as medidas necessárias ao equilíbrio das despesas públicas e ao crescimento econômico do país.
Noutras palavras, o demagogo engana o eleitor para obter-lhe o voto, vence a eleição e, depois, fica de mãos atadas, sem saber o que fazer diante dos problemas efetivos, que exigem solução. A saída que encontra é aumentar os impostos. Trata-se, portanto, de um exercício de burla e insensatez, que usa abusivamente do nome de democracia.
O atual governo Lula é um bom exemplo desse tipo de contradição. Se é verdade que, para vencer as eleições de 2002, teve que renegar suas bandeiras consagradas e adotar a política econômica que havia condenado como neoliberal, ao chegar ao poder, investiu pesadamente nos programas sociais, visando assegurar-se um segundo mandato.
Para compensar esse aumento excessivo de gastos, que contraria a política de superávit primário, não hesitou em descapitalizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Dentro desse mesmo círculo de contradições, um mês após ordenar um corte no orçamento da União deste ano, autorizou, descaradamente, durante o primeiro turno, despesas novas em igual valor para conquistar votos. Isso sem falar numa série de benesses dadas ao eleitor, com o mesmo fim, e que pesarão sobre a economia do país nos anos subseqüentes. Qualquer dos candidatos que vença o pleito terá que optar entre a demagogia irresponsável e o risco da impopularidade.
Mas não resta dúvida de que chegou o momento em que esse impasse terá que ser assumido por todos e particularmente pelos governantes. Hoje, eleitor, quando você escolhe quem governará o país, deve escolher também se prefere a verdade ou a mentira, essa mentira que nos tem custado caro e mais caro custará quanto mais tempo se perca.

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