Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 30, 2006

Miriam Leitão Fora do debate

O momento mais esperado do debate presidencial da última quinta-feira chegou quando o candidato Geraldo Alckmin tinha que perguntar à cadeira vazia do candidato Lula, e o item sorteado foi “corrupção”. Ele gastou seus quarenta segundos lembrando que Lula havia dito que a saúde está perto da perfeição e se esquivando de perguntar sobre corrupção. Já se viu candidato contornando o assunto sorteado para ir ao ponto principal, mas foi a primeira vez que se viu candidato, que está perdendo, evitar o ponto fraco do seu adversário.

Nem os representantes do PSDB presentes entenderam o que fez Geraldo Alckmin evitar o ponto mais sensível do candidato que combate, que está em favoritismo explícito e do qual precisava desesperadamente tirar alguns pontinhos que permitam o segundo turno. “Eu teria feito diferente”, admitiu, depois, em conversa com jornalistas, o presidente do partido Tasso Jereissati. “O que todos querem saber é a origem do dinheiro.” Alguns tucanos atribuíram a falha ao fato de que Alckmin perdeu a noção do tempo e os 40 segundos se esgotaram quando ele ainda estava nos preâmbulos.

Mas como alguém pode pensar em preâmbulo quando se tem 40 segundos apenas e o tema central é complexo e está oferecido pelo sorteio? Alckmin, na saída do Projac, explicou sua omissão: deve-se a uma estratégia de campanha.

— O pessoal quer ver sangue, mas as pesquisas mostram que quem ataca acaba perdendo votos porque o agredido vira vítima.

Isso já ocorreu em alguns momentos e há quem lembre o caso do debate de Cristovam Buarque e Joaquim Roriz para governador do Distrito Federal. Teoricamente, Cristovam mostrouse muito superior ao adversário, e Roriz pareceu hesitante e despreparado.

O resto da história todos sabem. Mas Alckmin levou essa tese ao paroxismo.

Uma coisa é não ser agressivo por técnica de campanha, outra é fugir do tema sorteado quando ele é o ponto principal que rondou os pesadelos do candidato com o qual se disputa.

Não faltou contundência à candidata Heloísa Helena, nem senso de oportunidade ao candidato Cristovam Buarque que, na primeira chance, fez uma pergunta ao dono da cadeira vazia indo ao ponto principal: e se ficar comprovado o envolvimento do governo? Quem, afinal de contas, o país está elegendo? Lula tem vasta experiência em debates, nos quais coleciona bons momentos e alguns sinistros. No último, enrolou-se na pergunta de Anthony Garotinho, mostrando que quem prometia fazer a reforma tributária ainda não tivera oportunidade de aprender os nomes dos impostos do país. Momento revelador do governo que faria: nem a Cide foi para as estradas como era seu destino, nem foi feita a reforma tributária. Mesmo assim, Lula sabe que, com charme, carisma e truques, poderia convencer os convencidos e sair-se bem.

Mas preferiu no ABC atacava a elite, “esse fardo”, a imprensa “preconceituosa” e confraternizava com Luizinho, Mentor e outros amigos.

Lula executa plano de caso pensado: faz ataques difusos a supostos perseguidores e os mistura para não se saber a quem mesmo está acusando. Quando fala do fardo da elite e do preconceito, está se referindo a quem? Aos empresários com os quais acaba de ter três jantares seguidos e de quem ouviu rasgados elogios? Aos banqueiros que não têm do que se queixar? À elite dos trabalhadores do ABC? Ao grupo dos anistiados do ABC que, liderados por Osvaldo Bargas, o mesmo do dossiê, recebe indenização política e aposentadoria precoce? Ou está se referindo, quando fala em elite, aos aloprados que conseguem juntar, em uma rápida conspiração, o equivalente a R$ 1.700.000, dinheiro suficiente para dar bolsa família a 27.860 famílias? Uma das seqüelas ruins desta campanha é esta acusação do presidente e de vários dos seus assessores, em inúmeras ocasiões, ao que ele define como “elite”, ou “letrados”, ou “os que sabiam tudo”. Expressões como essas e suas derivadas apareceram várias vezes em acusações veladas, em comemorações de revanche.

Primeiro erro é que elas, de novo, embutem um desprezo pela educação e pelos livros, como se Lula tivesse que cobrar uma dívida de quem estudou, estuda, lê e tem prazer na leitura. O ressentimento seria compreensível se ele não tivesse tido todas as fartas oportunidades que teve de estudar depois que se tornou um sucesso no Brasil; já lá se vão 30 anos. Segundo erro é que essa divisão entre partes de um mesmo país é exatamente o lado mais sombrio do chavismo. A Venezuela é um país fraturado; tudo o que o Brasil não quer ser.

A não ida ao debate pode ter ou não provocado efeito eleitoral; há controvérsias nas análises. Um dos argumentos dos que o apoiaram na decisão é que, nesta campanha, Lula tem mostrado nervosismo em simples entrevistas; não teria nervos para superar um constrangimento.

As regras do debate impediriam excessos de qualquer adversário dele, mas foi nesse motivo que Lula se escondeu.

O fato é que foi um desrespeito ao eleitor, uma demonstração de pouco apreço democrático, um ato de arrogância. Como o foi a ausência do governador Aécio Neves em Minas Gerais.

Aécio debateria com Nilmário Miranda, pessoa de bons modos e, nesta eleição, poucos votos. Não havia razão para não ir, a não ser a impressão de já estar eleito rei de Minas Gerais.

O debate de quinta-feira foi visto por umas 40 milhões de pessoas e, mesmo que nada se altere no quadro eleitoral, foi uma oportunidade de informar, esclarecer e trabalhar pela cultura democrática do eleitor brasileiro.

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