Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 27, 2006

Dora Kramer - Vexame internacional

Vexame internacional

dora.kramer@grupoestado.com.br

Na montanha diária de informações, denúncias, investigações, ataques, defesas e declarações as mais estapafúrdias, a justificativa do ministro da Cultura, Gilberto Gil, para a popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva - 'a corrupção é percebida como prática comum' - havia transitado discretamente nos jornais de ontem.

Agora, com as novas manifestações, segundo as quais 'corrupção não impede cidadania' e é inerente à 'dimensão humana', o ministro da Cultura entra para a galeria dos notórios defensores da imoralidade e da falta de ética. E faz isso da Suíça, para platéia mundial.

Mostra-se também alienado, pois a corrupção interdita sim o exercício da cidadania, à medida que solapa princípios e desvia verbas originalmente destinadas ao cumprimento das tarefas do Estado para com o cidadão.

Gil até agora tinha conseguido manter razoável distância dos colegas adeptos da tese de que corrupção, quando popularmente tolerada, pode até ser condenável na teoria, mas na prática é perfeitamente aceitável.

Na segunda-feira, falando de Genebra, onde representa o Brasil numa conferência sobre propriedade intelectual, o ministro da Cultura juntou-se ao grupo ao apresentar sua opinião sobre a dianteira do presidente Lula nas pesquisas.

Para Gilberto Gil, isso ocorre em função de uma percepção generalizada de que a corrupção é prática tolerada, comum. Para ele, as pessoas não relacionam as denúncias diretamente à pessoa do presidente, embora percebam que possa haver relação 'com membros de seu governo'.

Na visão do ministro, 'há uma relativização do problema' que afeta 'os princípios e o sentido da verdade e da justiça' e configura-se uma questão 'muito complexa'. Concluiu o raciocínio apontando a necessidade de uma condenação à corrupção por parte dos cidadãos 'comprometidos com o processo civilizatório e o império da lei'.

Ato contínuo, fez nova referência aos altos índices de aprovação do presidente, diz que sua permanência ou não no cargo num possível segundo mandato depende de um convite de Lula e resume seu estado de espírito: 'Estou contente com o governo.'

Contente, ainda que os escândalos 'possam estar relacionados a membros do governo'. Satisfeito o bastante para abster-se de qualquer senso crítico ao ponto de não perceber que ao longo de toda a sua argumentação em nenhum momento rebateu as suspeitas que pesam sobre o presidente, amigos e assessores, nem afirmou sua crença na lisura moral do chefe da Nação, cuja equipe integra.

Por essa ótica, o importante não são as convicções nem os atos das pessoas, mas a forma como são percebidas suas atitudes. Se as malfeitorias são toleradas pela maioria e praticadas à larga sem o caráter de 'particularidades do momento' (palavras do ministro), um cidadão com a responsabilidade cultural e social de Gilberto Gil constata a 'relativização' geral do 'problema', passa ao largo da essência do assunto em pauta e tira o corpo fora, invocando associação ao 'processo civilizatório' que, para todos os efeitos, o deixaria na condição de mero espectador dos acontecimentos.

Como suas declarações não repercutiram negativamente num primeiro momento, o ministro ontem sentiu-se seguro para avançar. Ironizou as razões da popularidade de Lula - 'um mistério da vida' - e atribuiu à corrupção o status de 'fenômeno universal'.

Ficou assim patenteada a imagem do Brasil na palavra de um jornalista suíço ao colega brasileiro: 'Impressionante.'

É realmente de boquiabrir o mais cínico dos semblantes.

Os artistas e intelectuais que, como Gilberto Gil e outros já notórios, confundem suas posições políticas, perfeitamente defensáveis, de apoio ao governo, com a necessidade de justificar a deformação da moralidade para não abrir a guarda ao adversário eleitoral esquecem-se de que governos passam e o País permanece.

Amanhã ou depois, quando partidos com os quais não se identifiquem assumirem o poder, ver-se-ão prisioneiros do silêncio, da aceitação da continuidade das 'práticas comuns' ou da incoerência de condenar, nos outros, o que consideravam natural para os seus.

Itororó

O presidente do Câmara, Aldo Rebelo, brinca com o discernimento alheio quando aponta 'brincadeira' com a democracia nas críticas generalizadas à operação dossiê montada pelo PT para tentar um segundo turno na eleição de São Paulo e 'jogar uma pá de cal' nas chances do adversário presidencial.

Se brincadeira há é de mocinho e bandido. Cabendo o papel deste a quem brinca com coisa séria como golpe de Estado.

Gênero e grau

Está certo, consagrou-se visão de que os erros de português do presidente Lula compõem um estilo e, sendo popular, tudo é permitido. Qualquer reparo é catalogado no rol dos preconceitos.

Então, digamos que a 'pseuda-inteligência' apontada por Lula como motivação dos arquitetos do dossiê seja uma inovação nas regras gramaticais nunca antes vista neste país.

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