Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 30, 2006

Miriam Leitão Dívida segundo HH

O GLOBO

Dívida segundo HH

Publicada em 30/08/2006

Míriam Leitão

A candidata Heloísa Helena se preparou para responder sobre dívida pública. Mas a resposta foi confusa. Ela disse que tem compromisso com a meta de inflação, mas não quis dizer se aceitaria que os juros subissem caso os preços subam. Afirmou que não acredita que a inflação subirá como não acredita em fuga de capitais. Avisou que ela não permitirá que o dinheiro saia.

Heloísa Helena está num daqueles momentos em que um político tem que manter seu discurso original, mas precisa não assustar os outros eleitores. Isso a fez dizer coisas que agradam a uns e outros. Disse que manterá as metas de inflação e tem compromissos com ela. Mas não a ponto de permitir a alta dos juros caso os preços subam.

Na verdade, ela não admite essa hipótese. Para a candidata, a inflação simplesmente não vai subir. Afirmou que os investidores não precisam temê-la e explicou que a dívida pública é um instrumento importante para o país, mas, quando eu perguntei se ela aplicava o dinheiro em dívida pública, respondeu de impulso:

— Eu não especulo.

Meu ponto é que Heloísa Helena sempre usa um excesso de adjetivos fortes e eloqüentes contra os banqueiros quando fala do assunto. Mas os grandes carregadores da dívida não são os banqueiros e, sim, os poupadores, pessoas e empresas que têm dinheiro aplicado em fundos garantidos por papéis públicos; metade da dívida pertence a esses poupadores e aos fundos de pensão. Pedi que ela deixasse de lado todos os adjetivos contra os banqueiros que sempre fazem tanto sucesso eleitoral e que me dissesse objetivamente qual era sua proposta para a dívida pública.

Heloísa Helena conseguiu falar alguns segundos sem adjetivos para, logo em seguida, acusar os “moleques de recado do capital financeiro internacional” e os “sabotadores do desenvolvimento brasileiro” pela alta taxa de juros.

Acha que, quando os juros caírem, haverá dinheiro para enfrentar todos os problemas brasileiros: a pobreza, a violência, o baixo nível educacional, o risco de os adolescentes se drogarem, a perversidade do sistema prisional, o risco das fronteiras. Será apenas o caso de baixar os juros e haverá dinheiro para tudo isso.

Claro que os juros precisam cair, mas a questão é como; por um ato de vontade presidencial? Ela disse que poderia ser por decreto, mas que não fará isso. Apenas estabelecerá que o país terá que crescer o dobro do que cresceu e os juros cairão para permitir esse crescimento. O risco de a inflação subir ela simplesmente descarta:

— Não acredito em risco inflacionário. O debate inflacionário é uma farsa técnica.

Ela usa a mesma expressão “eu não acredito” para afastar o risco de fuga de capitais. Garante que dá sua palavra de mulher e a segurança jurídica do país para garantir que não haverá calote. Diz, no entanto, que, se o investidor quiser sacar e levar o dinheiro para fora do país, ela não deixará, as leis do país não permitirão, nem haverá alternativa para o poupador.

Pelo seu raciocínio, o poupador, se sacar o que estiver poupado, não terá o que fazer com ele. Não poderá comprar dólares, porque o dólar ficará caro.

— Não temos outra alternativa; para crescer, precisamos tirar de algum lugar. Tiraremos dos juros e quem quiser receber seu dinheiro aplicado receberá, mas objetivamente vai ser impossível mandar para fora porque eu não vou deixar, nem haverá alternativa de aplicação.

Quando saiu da entrevista, um dos integrantes da sua campanha disse que sabia que essa seria a minha pergunta. De fato, era previsível, porque é o centro do raciocínio dela: a candidata pensa em tirar recursos para todos os seus planos da queda dos juros. De fato, eles precisam e têm chances de continuar caindo, mas não é desta forma que se faz política monetária.

A candidata está convencida de que os poupadores são especuladores, e que eles são apenas 0,005% da população brasileira e, na verdade, os aplicadores em fundos lastreados em título público são cerca de oito milhões de brasileiros pessoas físicas.

Ela explicou bem a diferença entre programa de partido e de governo. O primeiro é o objetivo último de um planejamento estratégico; o segundo é o que é possível fazer num primeiro momento. Exemplo: o PSDB defende o parlamentarismo, mas governou no presidencialismo.

Diz que seu sonho é o socialismo, que define apenas como sendo aquele momento lindo em que uma criança judia e uma criança muçulmana brincam juntas.

Tem razão quando diz que é contra a estatização do movimento social e é impagável quando ataca o governo com humor e se refere ao presidente Lula como “sua majestade barbuda”, ou quando, com mais gestos que com palavras, critica o estilo nada do candidato do PSDB.

Usa e abusa das frases cortantes e acusações e prefere as mais impessoais e genéricas, como esta:

— O Congresso Nacional é bandido quando o chefe do Executivo bandido é.

A cada ponto do discurso, Heloísa Helena invoca a sua condição de mulher e mãe. Ela o faz por estratégia bem pensada: são as mulheres que estão mais indecisas, são elas que fizeram seu crescimento recente, são as mulheres que têm a chance de parecer um fato novo na política brasileira que passa por um momento tão sem graça.

Mas concretamente a situação de Heloísa Helena é que, ao final desta eleição, ela pode estar sem mandato e sem partido. Seu PSOL está tendo uma extraordinária exposição, mas terá que cumprir a cláusula de barreira para sobreviver, o que dificilmente conseguirá. Em vez de renovar seu mandato, ela preferiu correr o risco. Colhe os louros de ter uma exposição que jamais teria se não fosse candidata.

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