Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 30, 2006

Merval Pereira Sem alternativa


 Até o momento, e não há indicações de que alguma coisa mudará, a candidatura à Presidência de Geraldo Alckmin se configura um verdadeiro estelionato eleitoral para os que acreditaram em sua potencialidade de concorrer com o presidente Lula. O ex-governador de São Paulo montou toda uma estratégia para impor sua candidatura contra a do ex-prefeito José Serra, que aparecia nas pesquisas eleitorais como a melhor opção tucana para enfrentar Lula. Com uma suposta capacidade de inverter resultados eleitorais nas campanhas, especialmente pela televisão, Geraldo Alckmin criou tamanho embaraço dentro de seu partido que acabou inviabilizando um acordo em torno de Serra para impor-se como o “candidato natural”, a despeito das fragilidades evidentes de sua candidatura.

Os institutos de opinião, sem exceção, defenderam a tese de que Alckmin tinha uma possibilidade de crescimento muito maior que a de Serra, que atingira seu teto nas pesquisas do fim do ano passado, quando chegou a ultrapassar Lula. Ameaçando implicitamente criar uma dissidência dentro do PSDB contra a cúpula partidária e contando com pelo menos a benevolência, se não com o apoio velado dessa mesma cúpula, o ex-governador paulista conseguiu se impor como candidato, prometendo inverter a situação eleitoral “quando a novela mudasse de horário”, se referindo ao programa de propaganda gratuita no rádio e televisão.

Interesses pessoais superaram os partidários, idiossincrasias mais uma vez se impuseram no caminho da solução mais razoável, e o receio de partir para o tudo ou nada e ficar sem São Paulo e o governo federal na mesma tacada fizeram de Alckmin um candidato marcado para perder. Cristianizado já há algum tempo, muito por seus defeitos, mas também pelos defeitos de um partido que perdeu o rumo ao proteger seus membros envolvidos nos escândalos que denunciava, Alckmin está recebendo nas pesquisas eleitorais — e tudo indica que receberá nas urnas — a resposta à sua vaidade política, e corre o risco de se tornar uma figura patética ao repetir, a cada nova pesquisa desalentadora, que está em plena ascensão.

Pois quanto mais conhecido Alckmin se torna, mais rejeitado pelo eleitorado ele é, e mais empacado no mesmo lugar ele fica, sem foco e sem objetivos definidos. Do jeito que anda a coisa, sairá da eleição menor do que entrou, ou, quem sabe, do mesmo tamanho que sempre teve, um político regional que não tem a dimensão do cargo a que aspira.

Nos votos válidos da pesquisa CNT/ Sensus (descontados nulos, brancos e indecisos), Lula teria hoje 62,3%; Alckmin, 23,8%; Heloísa Helena 10,4%; e Cristovam, 1,9%.

Significa dizer que Lula já alcançou o percentual que obteve no segundo turno da eleição de 2002, de 61,3%, e Alckmin não agregou absolutamente nada à votação que Serra teve no primeiro turno de 2002, de 23,2% do eleitorado.

Se a média do PT era 30%, os números atuais significam uma derrota do PSDB como partido, que estacionou na casa dos 20% do eleitorado ou, na melhor das hipóteses, pela pesquisa Datafolha também de ontem, na faixa dos 30%.

O programa de Alckmin está bem avaliado, mas não funciona, seria eficiente para um candidato a governador, que é a experiência que ele tem. Teria que transformar Lula em Maluf, e nem tentou.

O sociólogo Ricardo Guedes, da Sensus, acha que, se os tucanos baterem em Lula com as denúncias já conhecidas, não vão mudar a tendência.

O que é conhecido já teria sido absorvido. O eleitorado que havia desistido de Lula depois dos escândalos voltou para ele porque o mercado eleitoral não ofereceu uma alternativa. Heloísa Helena traduziu esse voto de protesto em determinado momento, tirando inclusive mais votos de Alckmin, mas se perdeu no programa eleitoral, se apresentando de uma forma arcaica.

Ontem, na sabatina no GLOBO, Heloísa Helena foi confrontada com essa maneira arcaica de fazer política, a começar pelo linguajar empolado, até sua defesa do socialismo, mesmo que a longo prazo, e a conseqüente luta quixotesca contra os bancos e grandes corporações, sem compreender que a dívida interna é patrimônio da população de maneira geral, que coloca seu dinheiro em cadernetas de poupança e em fundos de investimentos, que a senadora insiste em classificar de especulação financeira.

Menos mal que deixou claro que não dará o calote, apenas reduzirá drasticamente os juros pagos. Se conseguir fazer isso de uma penada, sem provocar inflação e desequilíbrio fiscal e sem fuga de capitais e desenvestimento, terá dado uma contribuição relevante aos estudos econômicos, e provado na prática que existe uma grande conspiração contra o crescimento do país e a favor dos grandes lucros dos banqueiros.

Guedes acha que o eleitor tende a fazer o segundo turno já no primeiro, e por isso a maioria das eleições para governador vai terminar no primeiro turno, e a maior parte dos governadores será reeleita. Na percepção do eleitor, os ganhos macroeconômicos superam os problemas éticos que foram gerados: estabilidade da economia, geração de empregos, aumento do salário mínimo acima da inflação, queda do preço da cesta básica, programas sociais.

Hoje, apenas 18% acham que Lula pode ser responsabilizado pela corrupção e, desses, apenas 6% acham que ele teve participação direta.

A aparente apatia do eleitorado brasileiro seria, ao contrário, apoio ao governo Lula, não apenas resultado de políticas assistencialistas, como também de um bem-sucedido trabalho de convencimento da população de que não aconteceu nada além do que a corrupção normal da política brasileira.

Essa é uma questão que merece análise mais aprofundada, pois demonstraria que teve sucesso uma operação de dissimulação das atitudes do presidente da República que pode ter graves conseqüências para a democracia brasileira e gerar uma crise institucional num provável segundo governo Lula.

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