Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 30, 2006

Saulo: SP pediu ajuda contra PCC e não recebeu

ESTADO
'Quero o Exército em ação'

INFORMAÇÃO: 'Desde 2002 quero integrar nossos dados com a PF. É só um link, computador e acesso online'

RECURSOS: 'No fim, nada para a segurança. Nem um real. Nem para comprar carro, colete à prova de bala'

TROPAS: 'Dá para o Exército ajudar nas operações. Precisamos segurar três, quatro lugares grandes'

Marcelo Godoy e Sergio Pompeu

São Paulo quis, sim, o reforço das tropas do Exército no auge da crise na segurança, em maio. E ainda quer. Mas não para estacionar tanques Leopard do 2º Regimento de Carros de Combate debaixo da marquise do Masp. O que o Estado pediu nos encontros com comitivas capitaneadas pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, foi o envio de tropas da Infantaria para participar de operações em áreas dominadas pelo tráfico de drogas. Também pediu soldados para fazer a guarda das muralhas de presídios, liberando policiais para a guerra contra o Primeiro Comando da Capital.

Os detalhes sobre a negociação foram revelados pelo secretário da Segurança, Saulo Abreu. Ele desmentiu declarações do ministro, publicadas pelo Estado há uma semana, sobre uma suposta resistência de São Paulo em aceitar apoio. Saulo diz ter entregue ao ministro uma lista com uma série de pedidos. "O Márcio recebeu o papel e ficou quieto."

Outro pedido foi o do envio de homens da Força Nacional de Segurança Pública para liberar a polícia da tarefa de escoltar presos e ajudar a degravar CDs de escutas telefônicas. Além disso, o Estado requisitou o empréstimo de equipamentos da Polícia Federal (PF) e a liberação de R$ 740 milhões para projetos de inteligência - entre eles, a interligação dos dados da PF sobre criminosos com os das Polícias Civil e Militar. Tudo mantido em sigilo e revelado por Saulo.

Conhecido pelo estilo bateu, levou, Saulo é um personagem desconcertante. Avesso a entrevistas, concordou em receber o Estado às 11h30 de sexta-feira para uma hora de conversa. Falou durante cinco, sem pausa para almoço.

No balanço sobre os encontros com o ministro, Saulo garante que, em suas raras intervenções, Thomaz Bastos disse apenas que estava ali para prestar "solidariedade" ao Estado. De prático, nada. "Solidariedade é campanha do agasalho", diz Saulo. Mas o secretário elogia o Exército, que acenou com o empréstimo de helicópteros e a cessão de fotos de satélite para o mapeamento de alvos no combate ao PCC.

Processado por abuso de autoridade - em maio de 2005, o secretário mandou algemar o sócio do restaurante Kosushi, onde jantava, por acreditar que ele tinha bloqueado uma rua no Itaim -, Saulo se diz vítima de perseguição política no Ministério Público Estadual. O motivo é a oposição pública que faz ao procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo Pinho. "Querem impregnar minha imagem de truculência."

Saulo raciocina rápido e se impacienta quando o interlocutor não o acompanha. Dono de uma franqueza rara, é rápido no gatilho também nas tiradas bem-humoradas. Como quando contou que, na juventude, se formou torneiro mecânico numa escola técnica. Então Saulo tem pelo menos algo em comum com o também torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva? "Não. Porque eu estudei. Ele, não." Leia abaixo trechos da entrevista:

EXÉRCITO

Falei pro Márcio: o Exército aqui para quê? Para fazer operação na 23 de Maio? Isso não tem necessidade. Na segunda-feira em que tudo parou (15 de maio), não dava nem tempo para a tropa vir. Então eu disse: Vamos dar coisas concretas para o Exército. Aqui em São Paulo, dá para o Exército cuidar das muralhas dos presídios para nós, porque ele já faz a guarda de quartéis. Depois dá para o Exército ajudar nas operações saturação (em redutos do crime organizado). Nós estamos precisando segurar três, quatro lugares que são grandes. Temos tudo já mapeado, fotografado. Colocaríamos a Cavalaria, o Choque, mas não adianta pôr tanque de guerra. Como dar tiro de canhão? Tem de pôr gente, cercar. Só entra ou sai quem mora na favela. A parte social deles funciona bem. Aí, é pôr o trailer do policiamento comunitário, identificar as lideranças do crime e prender. Dava para fazer isso em Santos, São Vicente e Guarujá, em três morros já identificados. Ele, o Márcio, anotou lá, recebeu o papel e ficou quieto.

PRIMEIRA REUNIÃO

Na primeira reunião (em 19 de maio), tínhamos uma listinha de pedido de recursos. Eu disse: vamos dar prioridade aos que desde 2002 não foram repassados (R$ 562 milhões). Daí, ele falou do Exército. Da minha parte, disse, não vejo problema. Só não acho que o militar tenha formação para prender criminoso. Lembra quando mataram o segurança do filho do Lula? O cara disse: "Sou tenente do Exército". E o ladrão atirou na cara dele. Depois disso, o Lula passou a ter 24 PMs que fazem segurança quando vem a São Paulo.

PROPOSTAS PARA A PF

Outra proposta que eu fiz: vamos desonerar a PF. Você me repassa aeroportos, a fiscalização das empresas de segurança, a concessão dos portes de armas e emissão de passaportes, que a gente toca esses serviços aí. O passaporte era só jogar no Poupatempo. A gente emite 7 mil RGs por dia. Você acha que expedir mais 200, 300 passaportes vai ser problema? (...) Numa das reuniões, o Paulo Lacerda (diretor-geral da PF) estava lá. Perguntei o que ele achava dos nossos pedidos. Ele disse que achava bom, mas estava com problemas de verba. A PF aqui nem helicóptero tem. O que eles tinham caiu há dois anos. Fomos nós que socorremos o pessoal na época. E até hoje não teve a reposição daquele helicóptero.

FORÇA DE SEGURANÇA

Falei com o cara da Senasp (Luiz Fernando Corrêa, da Secretaria Nacional de Segurança Pública). Ele mesmo disse que a Força Nacional de Segurança não ia resolver a situação em São Paulo. Perguntei quantos homens poderiam mandar para cá. Ele respondeu que seriam uns 200, por até 60 dias. Eu falei: então, manda. Precisamos de gente para fazer escolta de presos (no primeiro semestre a secretaria recebeu 23.631 pedidos de escolta), para ajudar a tirar as fitas com a gravação de escutas de celulares usados nas cadeias. Eles não têm nada. Na primeira operação que a Força fez, em Vitória, emprestamos coturnos e fardas da PM daqui. Sabe como é que eles pagaram a gente? Mandaram duas Paratis.

SEGUNDA REUNIÃO

Na segunda reunião (em 14 de junho), ele (Thomaz Bastos) havia se comprometido a nos ceder um equipamento de escuta telefônica, um grampinho, pois nós precisamos ampliar a escuta de Nextel. Estavam chegando dois aparelhos e eu quis importar um, mas o ministério deu parecer contrário.

RESULTADO

Ele (Bastos) disse: São Paulo está dando conta da crise, mas não podia deixar de vir, dar solidariedade. Ok. Muito bonito. Mas solidariedade é a campanha do agasalho. Estou esperando (dinheiro) até hoje. Ele saiu da reunião para dar entrevista. Veio um rapaz e me contou que ele tinha anunciado a liberação de R$ 100 milhões. Levei um susto. Até fiz brincadeira: "Estou com prestígio". Mas disseram: "Não é para você, é para a Administração Penitenciária". (...) Agora, para reformar Araraquara (presídio destruído onde detentos estão amontoados no pátio), é só pegar presos federais de São Paulo e espalhar pelo Brasil. Depois que a gente arrumasse aqui eles voltariam. Com a prisão vazia é rápido. Em 15 dias, você entra e reforma. Mas você acha que o PT quer ter trabalho com preso? Não responderam. No fim, não deram nada para a segurança. Nem um real. Nem para comprar carro, colete à prova de bala.

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