Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 29, 2006

12 ações para caçar os corruptos

A sucessão de escândalos revela
o espantoso grau que a corrupção
atingiu entre os parlamentares – e
leva a uma indagação central: o que
fazer para superar essa chaga?


Diego Escosteguy

Montagem sobre foto Paulo Vitale

O Congresso Nacional atingiu o fundo do poço de sua pior crise moral em 180 anos de história. Depois de protagonizarem episódios escabrosos como o mensalão do PT e o mensalinho de Severino, deputados e senadores foram pilhados na máfia dos sanguessugas – uma conexão de assalto direto aos cofres públicos cuja dimensão fica mais assustadora a cada dia que passa. Até agora, sabe-se do envolvimento, em grau variado de profundidade, de nada menos que 112 políticos, dos quais 86 estão no exercício do mandato de deputado ou senador. É uma enormidade. Na sociedade em geral, não se tem notícia de nenhum segmento social ou categoria profissional que concentre tamanha fatia de acusados e suspeitos. A perplexidade e a indignação já se refletem no humor do eleitorado. Na última pesquisa do instituto Datafolha, realizada ainda antes de se ter notícia da dimensão acachapante da máfia dos sanguessugas, 42% dos entrevistados diziam que o Congresso Nacional é "ruim" ou "péssimo".

Lucio Tavora/Folha Imagem
A PF prende empresário envolvido em fraudes, em Brasília: bom exemplo

Será saudável se a indignação pública evoluir para a fiscalização, a cobrança e a ação concreta – no caso, à beira da urna – contra quem usa a atividade parlamentar como gazua. "O acompanhamento e a pressão da mídia e da opinião pública são cruciais para aperfeiçoar a conduta dos parlamentares", afirma o sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). O escrutínio é relevante já agora. Na semana passada, membros da CPI, depois de anunciar que o caso envolvia mais de 100 parlamentares, passaram a dizer que só existe prova concreta contra trinta deles – uma contabilidade perfeita para quem sonha em melar a CPI. O senador Amir Lando (PMDB-RO), relator da comissão, também dá sinais de que está mais empenhado em proteger os acusados do que em investigar suas falcatruas. Quer postergar seu relatório final e é contra investigar as centenas de prefeitos envolvidos no esquema. Lando sustenta ainda que a apuração das conexões com a máfia do petista Humberto Costa, ex-ministro da Saúde, só deve ser levada a cabo depois das eleições de outubro. Talvez a falta de apetite de Lando em ver resultados na CPI não se deva apenas ao fato de que seu nome é citado pelo capo Vedoin. Mais preocupado em esconder do que em revelar, Lando até já apresentou sua conta ao governo .

Apesar do diagnóstico sombrio sobre a corrupção e a necessidade de manter vigilância permanente sobre os investigadores, há um dado positivo: a Polícia Federal, que trouxe à luz a máfia dos sanguessugas, tem tido uma atuação elogiável. Recentemente, na Operação Cerol, os agentes prenderam seis delegados da própria PF no Rio de Janeiro por participação num esquema de contrabando, fraudes e tráfico de influência. A cena de policial prendendo policial é um alento num país em que se sabe que há poderosos nichos de corrupção na polícia que nunca são incomodados. Na semana passada, a PF realizou outra ofensiva, prendendo seis pessoas em Brasília acusadas de fraudar licitações no governo federal. No entanto, por mais que os agentes federais façam sua parte, é preciso que o combate à corrupção seja uma política mais ampla.

Dida Sampaio/AEm
Lando, relator da CPI dos Sanguessugas


Na semana passada, VEJA consultou onze especialistas para ajudar a montar uma lista de medidas que poderiam ser adotadas com o objetivo de caçar os corruptos e dificultar o surgimento de novas bandalheiras no Congresso. A revista ouviu cientistas políticos, filósofos, sociólogos, técnicos do Congresso, lobistas e até parlamentares (sim, ainda existem alguns que podem ser levados a sério). Juntos, eles sugeriram doze medidas, que estão descritas nesta e nas páginas seguintes. Ao fim de cada um dos doze itens, o leitor vai encontrar duas informações adicionais: a aplicabilidade da medida e sua eficácia, cuja gradação varia entre alta, moderada e baixa. As duas informações resultam do cruzamento das avaliações elaboradas por três estudiosos consultados por VEJA. São eles o professor Octaciano Nogueira, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), o filósofo Claudio Abramo, diretor da Transparência Brasil, entidade que trabalha com políticas de combate à corrupção, e o sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Iuperj.

Além das doze medidas sugeridas pelos especialistas, há outras idéias que poderiam ajudar a promover uma faxina, mas que não têm relação direta com a atuação dos parlamentares. Por exemplo: existem estudiosos que defendem o fim do voto obrigatório, proposta que, em tese, reduziria o número de eleitores seduzidos pelas práticas clientelistas, comuns nos grotões do país, e privilegiaria o votante consciente. Outra medida já fartamente discutida é o fim do loteamento político de cargos públicos que lidam com altas somas de dinheiro – chaga que está na origem da explosão do caso do mensalão. Diz Claudio Abramo, da Transparência Brasil: "Essa relação política corrompida é uma das principais causas da corrupção no Congresso e no governo". A seguir, confira as medidas propostas pelos especialistas, sua eficácia e sua aplicabilidade.

1 IMPEDIR A POSSE DE SUSPEITOS

Lista de mais uma leva de sanguessugas: candidatos à reeleição

Dos 112 políticos acusados de pertencer à máfia dos sanguessugas, 86 estão no exercício do mandato parlamentar – e, destes, nada menos que 72 são candidatos à reeleição. Pela legislação atual, caso consigam se reeleger, eles vão tomar posse em fevereiro de 2007 e responder a um inquérito no Supremo Tribunal Federal. Como o STF jamais condenou um único parlamentar sob o regime democrático, tudo indica que os sanguessugas reeleitos terão salvo-conduto para cumprir seu novo mandato sem ser incomodados pela polícia ou pela Justiça. Uma forma de impedir mais esse capítulo da novela da impunidade no país seria obstruir a posse dos suspeitos por meio da impugnação de seus mandatos. A medida já existe no plano legal. O artigo 14 da Constituição diz que o juiz eleitoral pode impugnar o mandato de um parlamentar até quinze dias depois de sua diplomação – desde que haja provas de seu envolvimento em atos de corrupção ou abuso do poder econômico.

O deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio de Janeiro, apresentou uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral para saber se essa medida está em vigor ou se precisa ser regulamentada por uma lei. Ele também quer saber quem pode pedir a impugnação – se o Ministério Público, os partidos políticos ou qualquer cidadão. O TSE ainda não respondeu à consulta, mas a expectativa é que o faça em breve. Se a resposta for positiva, a nova legislatura poderá ao menos ser depurada dos sanguessugas – ainda que nada impeça que seus substitutos venham a colocar os pés em alguma outra lama qualquer no Congresso... "Estamos diante de uma crise institucional no Congresso", diz o deputado Miro Teixeira, que está em seu oitavo mandato. "Há medidas de médio prazo, mas precisamos combater esse incêndio agora."

APLICABILIDADE
Caberá ao TSE dizer se a medida está em vigor e se poderá ser usada nesta eleição

PTB, PL e PP: as legendas que lideram a lista da bandidagem

2 PUNIR OS PARTIDOS

Os principais dirigentes do PTB, do PL e do PP foram estrelas do escândalo do mensalão. Entre os dezenove deputados acusados de embolsar a propina petista, nada menos que onze pertenciam a um dos três partidos. Agora, no caso dos sanguessugas, as três legendas novamente reinam soberanas na liderança. Juntas, contribuem com 62 parlamentares – ou mais de 50% da máfia. Mesmo assim, PTB, PL e PP seguem recebendo tratamento idêntico ao de partidos como o PV, por exemplo, em cujas fileiras não se encontrou nem mensaleiro nem sanguessuga – pelo menos até agora. Diante disso, especialistas sugerem a criação de instrumentos para responsabilizar os partidos pelos atos de seus integrantes.

"Os partidos têm de ser responsabilizados pelos crimes que seus integrantes cometem. Em grande parte, eles são financiados com dinheiro público", defende o professor Octaciano Nogueira, cientista político da Universidade de Brasília (UnB). "No caso do mensalão, por exemplo, todos os próceres dos partidos da base aliada foram flagrados no esquema, e isso torna óbvio o fato de que a legenda estava comprometida." Entre os especialistas ouvidos por VEJA, as sugestões de punição são amplas. Vão desde a suspensão de repasses do fundo partidário até a perda de tempo de TV no horário eleitoral gratuito, dependendo da gravidade – e da extensão dentro da legenda – das irregularidades identificadas.

APLICABILIDADE
Como a medida contraria interesses de quase todos os partidos, é improbabilíssimo que venha a ser aprovada

3 RESTRINGIR A IMUNIDADE PARLAMENTAR

Celso Junior/AE
O deputado José Janene: exemplo vivo dos males da imunidade


A imunidade parlamentar surgiu na Inglaterra no século XVII com o objetivo de proteger os políticos do arbítrio do rei naquilo que consiste a essência da atividade parlamentar – a opinião e o voto. Até hoje, a imunidade parlamentar é restrita a esses dois aspectos em países como os Estados Unidos e a própria Inglaterra. No Brasil, porém, o instituto ganhou uma amplitude absolutamente vergonhosa. Aqui, a imunidade garante tratamento especial aos parlamentares em qualquer tipo de delito – mesmo em crimes comuns, como homicídio, estupro ou seqüestro. Pior ainda: ela é extensiva até a infrações cometidas no período em que o réu ainda não tinha mandato parlamentar, motivo pelo qual há muito bandido querendo um assento no Congresso Nacional.

"A imunidade parlamentar, como foi adotada no Brasil, é uma excrescência e precisa ser abolida com urgência", resume Roberto Romano, professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Não se pode confundir imunidade parlamentar com imunidade para safadeza." A imunidade, além de tudo, está associada ao foro privilegiado, que garante ao deputado ou senador ser julgado apenas pelo Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país. Como o STF, por falta de empenho e vocação, nunca puniu um parlamentar, virar deputado ou senador é um salvo-conduto para criminoso. Um beneficiário exemplar dessa distorção é o deputado José Janene, do PP do Paraná. Ele responde a pelo menos sete inquéritos no STF – e por crimes que nada têm a ver com a função de deputado, como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, desvio de verbas, corrupção passiva.

APLICABILIDADE
A pressão para restringir a imunidade é crescente, mas o Congresso vai enrolar quanto puder

4 REGULAMENTAR O LOBBY

Celso Junior/AE
Marcos Valério, o lobista: zona de sombra ajuda os desonestos


Nos corredores do Congresso Nacional, há sempre um lobista batendo nos gabinetes em busca de bons negócios. Como sua atividade não é regulamentada no Brasil, o lobista não sofre nenhum tipo de fiscalização, não presta contas a ninguém e, por isso, sempre atua numa zona de sombra – mesmo que esteja à procura de um negócio perfeitamente lícito. Cientistas políticos e parlamentares ouvidos por VEJA na semana passada acham que a falta de regulamentação do lobby acaba por constranger os honestos e estimular os picaretas, que se aproveitam da inexistência de uma fronteira clara entre o que é legal e o que é ilegal. Assim, quando um lobista inescrupuloso encontra um deputado desonesto, dá-se uma conjunção perfeita para mais um assalto ao Erário. "A regulamentação do lobby é uma boa medida para minimizar a corrupção no Congresso", diz Claudio Abramo, da Transparência Brasil, uma ONG que se dedica ao combate à corrupção.

Nos Estados Unidos, desde os anos 50 os lobistas são obrigados a se registrar no Ministério da Justiça e prestar contas ao governo anualmente. Com isso, são forçados a trabalhar à luz do dia. A medida, naturalmente, não impede que ocorram crimes, como prova o caso recente do lobista Jack Abramoff, acusado de corromper parlamentares republicanos, mas pelo menos os dificulta. Se o Brasil tivesse uma legislação semelhante, o empresário – e lobista – Marcos Valério Fernandes de Souza, o hoje notório carequinha que operava o trem pagador do mensalão, teria, pelo menos, enfrentado algum constrangimento para circular pelos corredores do Congresso e do Banco Central, onde costumava fazer lobby em favor do BMG e do Banco Rural. A idéia de regularizar o lobby no Brasil é antiga, mas a disposição de fazê-lo é nula. Em 1983, quando estreou como senador, Marco Maciel, do PFL de Pernambuco, apresentou um projeto disciplinando a matéria. Até agora, passados mais de vinte anos, a proposta não foi aprovada.

APLICABILIDADE
É muito improvável que aconteça, pois a medida não faz parte da agenda de deputados e senadores

5 RESTRINGIR O VOTO SECRETO

O deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, batalhou duramente pela criação da CPI dos Sanguessugas. Os desdobramentos espantosos do escândalo são uma prova de que estava certo no ímpeto para investigar o caso, mas ele faz um alerta: "A única chance real de cassar o mandato desses parlamentares é com o voto aberto. Caso contrário, não tenho dúvida de que todos serão absolvidos". A história recente dá razão ao deputado. Nos últimos meses, o plenário da Câmara salvou onze mensaleiros da cassação – pois o voto secreto permitiu que as escolhas dos deputados fossem feitas sem a fiscalização da opinião pública. "É preciso acabar com esse expediente, que só serve à impunidade dos parlamentares corruptos", afirma o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). "No Parlamento da Inglaterra, o voto é transparente, assim como nos Estados Unidos, com poucas exceções." Nesses países, o voto secreto é usado em votações sobre questões de inteligência, assuntos militares, matérias relativas à segurança do Estado ou temas que requerem algum sigilo.

Jose Paulo Lacerda/AE
Antonio Cruz/ABR
Uma fila de senadores para votação secreta e o petista Paulo Rocha, que renunciou para poder voltar à Câmara: impunidade

O festival de impunidade ocorrido no caso dos mensaleiros resultou na criação de uma frente parlamentar que prega o fim do voto secreto. Os integrantes da frente defendem a aprovação de uma emenda à Constituição, já em tramitação no Congresso, segundo a qual o voto secreto seria restrito às votações que envolvam vetos do presidente da República e nomeação de autoridades. No caso da cassação de mandatos de parlamentares, o voto seria aberto – e a tendência é que, nesse caso, os políticos respeitem o peso da opinião pública. Em 1992, antes da votação sobre o impeachment de Fernando Collor, discutiu-se se o voto seria secreto ou aberto. Venceu a tese do voto aberto. A abertura do processo de impeachment foi aprovada por uma maioria acachapante: 441 votos contra 38.

APLICABILIDADE
É improvável. Para abolir o voto secreto, a emenda precisa do apoio de dois terços dos parlamentares

6 REGULAMENTAR A RENÚNCIA

Quando vieram a público as trambicagens dos anões do Orçamento em outubro de 1993, quatro dos deputados envolvidos escaparam da punição renunciando ao mandato – e, com isso, preservaram seus direitos políticos. Desde então, está claro que a renúncia precisa ser regulamentada para deixar de ser artimanha de malandro. A Câmara aprovou uma nova regulamentação em 1994, mas, como sempre, os acusados encontraram outras brechas. Em 2001, os senadores Jader Barbalho, Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda aproveitaram as brechas para repetir os anões do Orçamento: renunciaram, escaparam da cassação, preservaram os direitos políticos e voltaram ao Congresso na eleição seguinte. A lista dos parlamentares que recorreram à renúncia para ficar impunes é interminável.

Severino Cavalcanti, pilhado exigindo uma propina de 10.000 reais mensais do concessionário do restaurante da Câmara, renunciou para fugir da cassação. Entre os mensaleiros, quatro deputados renunciaram logo nos primórdios das investigações – dois deles, o peemedebista José Borba e o petista Paulo Rocha, estão disputando a atual eleição para voltar à Câmara. Se ganharem, tomarão posse em fevereiro de 2007 como se nada tivesse acontecido. Por tudo isso, os especialistas ouvidos por VEJA defendem a aprovação de um projeto que deixe claro que a renúncia – em qualquer momento – não pode impedir a realização do processo nem a aplicação de punições. A medida, por si só, não impediria a bandalheira no Congresso, mas pelo menos reduziria o festival de impunidade.

APLICABILIDADE
A medida não encontra resistência. Se proposta, pode ser aprovada com alguma facilidade

7 ACABAR COM EMENDAS INDIVIDUAIS

Jose Paulo Lacerda/AE
Lino Rossi: na origem dos sanguessugas


No seu longo depoimento à Justiça, o empresário Luiz Antônio Vedoin, regente do esquema dos sanguessugas, contou que tudo começou com o deputado Lino Rossi, do PP de Mato Grosso, que o apresentou a outros deputados – e todos juntos começaram a propor emendas individuais ao Orçamento da União, destinando dinheiro público à compra superfaturada de ambulâncias e equipamentos hospitalares. Ou seja: na base do trambique estão as chamadas "emendas individuais", mecanismo que permite que cada deputado, individualmente, apresente emendas ao Orçamento até o valor de 3,5 milhões de reais. Nas democracias avançadas, não existe nada parecido com isso, mas no Brasil é uma prática antiga – e velha responsável por outros escândalos, inclusive o caso da máfia dos anões, que estourou há treze anos.

"Temos de pôr fim às emendas individuais", diz o deputado Gustavo Fruet, do PSDB do Paraná. "As emendas deveriam ter o papel de aproximar o parlamentar dos problemas da base, mas a corrupção está tão generalizada que não há outro remédio." Além de casos de corrupção explícita, as emendas também ajudam a alimentar a relação promíscua entre o governo federal e o Congresso Nacional, em razão da prática do Executivo de apenas liberar o dinheiro das emendas para seus aliados – não é sem motivo, portanto, que 60% dos integrantes da máfia dos sanguessugas pertencem à base do governo. O cientista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice, também é favorável ao fim desse instituto. Sua explicação é incisiva: "É um mensalão legalizado".

APLICABILIDADE
Cortar benesse de político nunca é fácil, mas cresce o consenso de acabar com as emendas individuais

8 AMPLIAR A FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Arquivo/Folha de Boa Vista
Almeida, que trocou de partido sete vezes: por que será?


O que leva um deputado a trocar de partido sete vezes numa mesma legislatura? É óbvio que as mudanças não são motivadas por questões programáticas ou ideológicas, que não se alteram nessa velocidade, mas é forte a suspeita de que o troca-troca é impulsionado por negociatas. Pela lei atual, para se candidatar o parlamentar precisa estar filiado a um partido por um ano, pelo menos. Até esse prazo, vale tudo. O deputado Alceste Almeida, de Roraima, por exemplo, é candidato à reeleição e está quietinho no PTB desde outubro do ano passado. Antes, fez sete mudanças, passou por quatro siglas e ficou sempre no mesmo lugar: a base do governo, num caso clássico de político que, faça o que fizer, jamais larga o governo e seu balaio de benesses. "Não custa lembrar que o fluxo de pagamentos do valerioduto coincidiu com a migração de deputados para partidos da base aliada", diz o senador Alvaro Dias, que integrou a CPI dos Correios.

Para evitar o troca-troca, e suas negociações inconfessáveis, surgiu a idéia de ampliar o período de filiação ao partido para ser candidato – para dois ou até quatro anos, o que coincidiria com o tamanho do mandato de deputado. Nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na Alemanha, onde há partidos com maior nitidez programática, é impensável que um político mude de sigla – tanto que não é nem necessária a existência da fidelidade partidária. "Os próprios partidos não aceitam isso lá porque sabem que o eleitor não perdoa", explica o professor Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. Aqui, como o eleitor perdoa, seria útil mudar a lei. O sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), é um entusiasta da idéia. Diz ele: "Acredito que ampliar a fidelidade partidária é uma das principais medidas para minimizar a corrupção no Congresso".

APLICABILIDADE
É improvável, pois o baixo clero, sempre numeroso, barraria qualquer projeto limitando o troca-troca

9 REDUZIR O NÚMERO DE DEPUTADOS

Reynaldo Stavale
Joeson Alves/AE
Um plenário praticamente deserto e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares: uma dose de ingenuidade

Com tantos escândalos envolvendo tantos parlamentares, surgiu a idéia de reduzir o número de deputados – hoje, são 513. Um projeto de autoria do senador Alvaro Dias, tucano do Paraná, prevê uma diminuição de cerca de 20%, derrubando o número de deputados para 405. "Com a redução, teríamos um Parlamento mais qualificado, com menos corrupção", diz ele, cujo projeto tramita no Congresso desde 1999. "A eleição se tornaria mais difícil e o funil serviria para melhorar as relações internas." Sua proposta obedece ao princípio segundo o qual o aumento da concorrência repercute na melhora da qualidade. O deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, também acha que a redução de deputados seria conveniente para melhorar o Congresso Nacional. "A redução é importante para dar mais transparência ao jogo político", diz ele.

Seria possível isso acontecer, mas certamente a quantidade de deputados e senadores não tem uma repercussão direta, talvez nem mesmo indireta, no nível de bandalheira de um Parlamento. Nos Estados Unidos, por exemplo, o contingente de deputados é bastante enxuto. Com 300 milhões de habitantes, quase o dobro da população brasileira, os EUA elegem apenas 435 deputados. Na Inglaterra, ocorre o contrário. Com uma população de apenas 60 milhões, o número de deputados ingleses é extraordinário: são 646. Ainda assim, não existem diferenças acentuadas de qualidade ética entre Washington e Londres.

APLICABILIDADE
A redução do número de parlamentares tem um apoio escasso dentro e fora do Congresso

10 INSTITUIR O FINANCIAMENTO ELEITORAL PÚBLICO

A corrupção com dinheiro de campanha eleitoral é um problema em todo o mundo democrático. Há escândalos de caixa dois, propinas e subornos nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, na Itália. Ninguém, até agora, encontrou uma fórmula eficaz para financiar eleições. Uma idéia recorrente é o estabelecimento do financiamento eleitoral com dinheiro público. Por essa proposta, o governo, conforme critérios definidos em lei, destinaria aos partidos certo volume de recursos para bancar suas campanhas. Em tese, haveria a vantagem de evitar que os candidatos buscassem doações com os empresários privados, aos quais ficam devendo favores que serão pagos depois da eleição. O financiamento público, portanto, eliminaria do cenário nacional figuras como Delúbio Soares, o ex-tesoureiro delicadamente desligado do PT depois de ser pilhado administrando um gordo caixa dois – montado, claro, com recursos de origem ilegal.

Os defensores do financiamento público dizem, ainda, que facilitaria a fiscalização, pois todos os candidatos teriam de fazer campanhas compatíveis com o montante que receberam – sem demonstrar, portanto, sinais excessivos de riqueza. "O financiamento público de campanha é fundamental na luta para melhorar a qualidade dos deputados eleitos", diz o sociólogo Luiz Werneck Vianna, do Iuperj. A idéia de que o financiamento público evitaria o contato dos políticos com poderosos interesses econômicos, no entanto, carrega certa dose de ingenuidade. Com ou sem doação financeira, os interesses econômicos nunca serão apartados da política. É preciso regulá-los sem a ilusão de que seja possível neutralizá-los.

APLICABILIDADE
A idéia é recorrente e tem defensores, mas a disposição dos políticos de aprová-la é dúbia

11 ACABAR COM O CONSELHO DE ÉTICA

Ed Ferreira/AE
Reunião concorrida do Conselho de Ética: muito trabalho, pouco resultado

O escândalo do mensalão já demonstrou que o Conselho de Ética, instituição criada pela Câmara para apreciar os casos de quebra de decoro dos deputados, caminhava a passos largos para se transformar numa instância aparentemente sem função. Dos onze deputados mensaleiros absolvidos pelo plenário da Câmara, dez foram condenados no conselho – apenas contra o deputado Sandro Mabel, do PL de Goiás, se julgou que não havia provas suficientes para pedir sua cassação. O saldo mostra que o Conselho de Ética levou meses preparando pareceres que acabaram olimpicamente ignorados pelo plenário da Câmara – e a tal ponto que seis de seus membros chegaram a renunciar ao cargo em protesto contra o desprezo com que foram tratados. Esse desempenho pífio conduziu à seguinte indagação: para que serve o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados?

"Só serve como instância protelatória de um rito que deveria ser sumário", afirma o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. "A cassação não deve ser um processo jurídico, com várias instâncias feitas apenas para não punir. Deve ser um procedimento político rápido." Por esse raciocínio, a eliminação do Conselho de Ética poderia agilizar o julgamento de parlamentares suspeitos, o que pode contribuir para reduzir a sensação de impunidade. O outro dado complicado do Conselho de Ética é a sua escalação numa legislatura marcada por deputados envolvidos em escândalos. A deputada Angela Guadagnin, do PT paulista, afastou-se do conselho depois de virar a passista do mensalão. E agora, com as novas revelações do empresário Luiz Antônio Vedoin, que atuava no coração do esquema dos sanguessugas, descobriu-se que, dos dezesseis membros do Conselho de Ética, nada menos que metade – ou seja: oito – é acusada de sugar o dinheiro do Orçamento...

APLICABILIDADE
A extinção do conselho requereria mudança no regimento da Câmara. Falta consenso para isso

12 EXTINGUIR FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS

Dida Sampaio/AE
Severino, que se aproveitou da burocracia para achacar


Em qualquer país democrático, o Parlamento tem suas funções administrativas: cuidar da emissão de passagens aéreas, hospedagem dos recém-chegados, distribuição de serviços internos, que vão de restaurante a cabeleireiro. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, essas funções são coordenadas pelos dirigentes da casa – um coletivo de parlamentares, portanto. A diferença é que, em Brasília, se dividiu o butim por deputado. Assim, pela partilha atual, o deputado Eduardo Gomes, do PSDB do Tocantins, que é acusado de ser um sanguessuga, toma conta das passagens aéreas. O deputado João Caldas, do PL de Alagoas, que também está na lista dos sanguessugas, cuida dos apartamentos funcionais e da compra e venda de imóveis. Com as atribuições administrativas sob o encargo de deputados isolados, criaram-se nichos pouco arejados e, dentro deles, acontecem coisas cabeludas.

O caso lapidar é de Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara que, aproveitando suas funções administrativas, achacava o concessionário de um dos restaurantes da casa. Entre os especialistas ouvidos por VEJA, há quem defenda que as atividades burocráticas – entre as quais estão as concorrências, que vão desde a prosaica aquisição de papel higiênico até gastos vultosos com informática – fiquem por conta de técnicos e servidores da casa. Ou, então, que a direção da casa, coletivamente, cuide desses assuntos. Com isso, talvez se consiga fechar mais um balcão de negócios.

APLICABILIDADE
É quase impossível, pois o baixo clero, que adora essa burocracia, tem força e não gosta da idéia

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