Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 26, 2006

VEJA A maçã podre que ninguém quer ver


Nenhum candidato parece incomodar-se
com a deterioração da Previdência,
o maior nó da economia


Giuliano Guandalini e Fábio Portela


A economia brasileira avançou bastante nos últimos anos e deverá navegar o período eleitoral com muito mais tranqüilidade do que em 2002. Mas a robustez dos indicadores oculta uma maçã podre que os candidatos à Presidência evitam encarar de frente. Trata-se da Previdência Social, responsável pelo pagamento das aposentadorias do setor privado e dos trabalhadores rurais. Há dez anos, o sistema operava no azul. O total arrecadado era suficiente para honrar todos os benefícios e sobrava dinheiro em caixa. De lá para cá, a Previdência apodreceu e tornou-se de longe a maior vulnerabilidade das finanças nacionais. O déficit deste ano ficará em torno de 50 bilhões de reais, uma bolada suficiente para multiplicar por sete os investimentos em educação e cultura do governo federal. O que explica essa reversão nas contas? Em parte, isso ocorreu porque os brasileiros estão vivendo mais – e por esse motivo recebem aposentadoria durante um maior período de tempo. Mas, de acordo com um novo estudo, o principal motivo do estrago na contabilidade do INSS foram os sucessivos aumentos reais (acima da inflação) concedidos ao salário mínimo durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e os quatro anos de Lula.

Nos últimos doze anos, o valor real do mínimo dobrou. Se os reajustes tivessem seguido a inflação, o mínimo seria pouco mais da metade dos atuais 350 reais. Como dois terços dos aposentados recebem um salário mínimo, as despesas do INSS explodiram, enquanto as receitas permaneceram praticamente estáveis. O Brasil tornou-se o único país do mundo onde aposentados recebem reajuste acima da inflação. Não fosse a política populista de dar aumentos cada vez mais gordos ao mínimo, o déficit previdenciário seria bem menor – teria ficado em 12 bilhões de reais no ano passado, em vez dos 38 bilhões de reais registrados.

Consertar o estrago não será fácil e demandará uma reforma mais profunda do que os pequenos reparos feitos por Fernando Henrique (1999) e Lula (2003). O tema é impopular e pouco palatável aos falatórios de palanque. Em vez de tratarem do assunto, candidatos e seus caciques têm preferido fazer o discurso fácil de criticar os juros elevados e o câmbio desfavorável aos exportadores. Como diz o economista Dionísio Dias Carneiro, a agenda política insiste em prometer investimentos sem poupança e renda sem produtividade. O governo Lula emite sinais contraditórios. O presidente mencionou recentemente a necessidade de uma reforma da Previdência, mas ajudou a aprofundar o buraco ao aumentar o mínimo em 35% acima da inflação. O tucano Geraldo Alckmin também erra no discurso – apesar de defender o corte dos gastos públicos, prefere chamar o Banco Central de "covarde" por não reduzir mais rapidamente a taxa de juro.

A crise da Previdência não pode ser creditada a um só governo. Foi Fernando Henrique que armou a bomba-relógio. Lula, em vez de desarmá-la, jogou mais pólvora. O estudo sobre o impacto do mínimo foi feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado ao Ministério do Planejamento. Uma de suas conclusões é que o custo acumulado da política de aumentar o mínimo acima da inflação foi de 250 bilhões de reais. Não fosse essa despesa adicional, a dívida pública, hoje em 1 trilhão de reais, estaria em 750 bilhões de reais. O secretário de Política Econômica, Júlio Gomes de Almeida, desqualificou a metodologia e afirmou que o impacto do mínimo foi pequeno se considerados os aspectos positivos em termos de redução da desigualdade social. É questionável: o Bolsa Família custa menos (10 bilhões ao ano) e é mais eficiente na redução de desigualdade. O economista Fabio Giambiagi, do Ipea, diz que a intenção não foi defender a redução do mínimo, e sim mostrar o custo dessa política e sua trajetória explosiva. Disputas metodológicas à parte, o fato é que o sistema quebrou e terá de ser reformado. Segundo o mexicano Mauro Leos, vice-presidente da agência de classificação de crédito Moody's, sem estancar o ralo da Previdência o Brasil não conseguirá o investment grade – selo de qualidade na administração das finanças que possibilita ao país pagar taxas de juro mais baixas. Afirma Leos: "O sistema não se sustenta. Consome mais dinheiro do que o razoável. Sem reformar a Previdência, será muito difícil que o nível de endividamento se reduza. Sem a reforma, não haverá o tão esperado investment grade". Ou seja, sem reforma o Brasil continuará a ser visto como um país de risco maior do que nossos rivais na economia mundial.

O primeiro passo para estancar a sangria é parar de reajustar os benefícios acima da inflação. Depois, corrigir suas inúmeras distorções. Apenas 30 milhões dos 90 milhões de trabalhadores do país contribuem para o INSS – são 23 milhões de aposentados vivendo à custa da contribuição desses 30 milhões. Nos Estados Unidos, onde os desequilíbrios são menores, a crise previdenciária que se avista por causa da aposentadoria dos baby boomers (a geração do pós-guerra) faz parte do debate nacional. O mesmo deveria ocorrer aqui. Com a palavra, os candidatos.



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