Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 26, 2006

VEJA Choque de realidade

Choque de realidade

Os programas sociais hoje alavancam Lula
nas pesquisas, mas quase todos nasceram
tortos e tiveram de ser modificados


Julia Duailibi

 

Celso Junior/AE
No litoral de São Paulo, um bar à espera do Luz para Todos: o único programa fiel à sua concepção

O Bolsa Família, que distribui até 95 reais mensais aos pobres, já atinge 9,2 milhões de famílias. O ProUni, que concede bolsas de estudo universitário a carentes, beneficiou 250.000 jovens em dois anos. O Luz Para Todos, que pretende universalizar a oferta de energia elétrica, já atende 3,3 milhões de brasileiros. Os programas sociais do governo apresentam alguns números sonoros e têm dado uma contribuição decisiva para turbinar o desempenho eleitoral do presidente Lula. Examinando-se a trajetória de cada um deles na burocracia do governo, da concepção à sua forma atual, descobre-se que, por trás dos números, se esconde uma curiosidade: os petistas, quando passaram a colocar seus planos sociais em prática, sofreram um tremendo choque de realidade. Entre os cinco principais programas sociais do governo, apenas um, o Luz Para Todos, é executado do modo como foi concebido – mas, ainda assim, é apenas uma versão levemente modificada de um programa criado pelo governo anterior, o Luz no Campo. Os outros programas são hoje uma sombra do que eram no início.

O caso mais emblemático é o Bolsa Família. Quando ainda tinha o nome de Fome Zero, seria um programa para distribuir cupons de alimentação, de até 250 reais, com os quais as famílias pobres comprariam comida em lojas conveniadas. Como se sabe, nada disso aconteceu. O Fome Zero virou Bolsa Família, tornando-se o guarda-chuva de quatro programas sociais, trocou a distribuição de cupons pela distribuição de dinheiro e reduziu o valor do benefício de 250 para 95 reais. O choque de realidade talvez tenha sido mais intenso no caso do programa Primeiro Emprego, que pretendia contemplar no ano inicial 250.000 jovens. Em sua primeira versão, foi um fracasso completo: atingiu 700 jovens – ou 0,28% da meta. Antes, o Primeiro Emprego partia da premissa de que a dificuldade dos jovens para conseguir trabalho se devia à inexperiência. Os gestores descobriram que a tese estava errada. Os jovens ficam desempregados porque voltam a estudar, desistem do trabalho ou são desqualificados. Hoje, em sua terceira versão, o foco do Primeiro Emprego é a qualificação da mão-de-obra.

Na avaliação dos especialistas, os fracassos iniciais do PT com seus programas sociais podem ser decorrência de falta de planejamento, de restrições orçamentárias ou de desconhecimento sobre como funciona a máquina pública. Em alguns casos, falta bom senso mesmo. No programa Farmácia Popular, cuja proposta é vender remédios a baixo custo à população carente, o governo achou melhor construir suas próprias farmácias. Chega a gastar 170.000 reais por ano para manter as unidades que construiu – e até agora conseguiu abrir apenas 151 em todo o país. Há três meses, os burocratas tiveram a idéia luminosa de, em vez de ficar construindo farmácias, fazer parceria com as que já existem. Pronto. De lá para cá, o número de farmácias conveniadas já passou de 1 700. Ou seja: em três meses, o programa cresceu mais de 1.000%. Falta agora arranjar dinheiro para distribuir medicamentos baratos para tantas farmácias. Por enquanto, a rede credenciada recebeu apenas remédios indicados para combater hipertensão e diabetes.

O dado positivo das sucessivas mutações dos programas sociais é descobrir que o governo pelo menos não tem insistido no erro. "Na realidade, a implementação de um programa social é um processo de recriação. Entre o que você desenha e o que você executa há uma enorme diferença", diz Pedro Luiz Barros Silva, professor do Instituto de Economia e coordenador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas. Em alguns casos, diante da dificuldade de cumprir uma exigência, o governo simplesmente ignora a exigência. O ProUni, por exemplo, na proposta original de governo de Lula, distribuiria bolsas de estudo para "cursos de qualidade". Na lista das entidades credenciadas, no entanto, são inúmeros os casos de faculdades que, no último Provão, tiraram a nota mais baixa do exame.

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