Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 25, 2006

Fwd: FERREIRA GULLAR - O preço da fama




FERREIRA GULLAR

O preço da fama


Por mais que a pessoa curta ser admirada e adorada, chega a um ponto em que perde a paciência


TORNAR-SE famoso é tornar-se notícia e, hoje, notícia é dinheiro porque é isso o que a mídia vende. Ser famoso pode ser bom porque sua presença vale ouro como também vale, conseqüentemente, tudo o que faça e tudo o que diga e até mesmo o que não faça e não diga. Por outro lado, pode ser ruim (tudo tem seu lado mau) porque a fama, pelo menos um preço cobra ao famoso: a sua privacidade.
Mas há vários tipos de famosos, conforme a razão de sua fama: se é ator ou atriz de televisão, se é cantor de música popular, se é jogador de futebol. Algumas dessas pessoas mal podem sair à rua, ir ao shopping, fazer cooper na praia ou no parque. No mínimo, vai ser abordado por este ou aquele transeunte e, se descuidar, logo estará cercado de curiosos. Por mais que a pessoa curta ser admirada e adorada, chega a um ponto em que perde a paciência, mesmo porque tudo cansa, até a idolatria dos fãs ou principalmente esta. E é natural que assim seja porque se trata de uma relação que menos tem a ver com a pessoa mesma do que com a fantasia das outras.
Deve-se admitir, no entanto, que o fã tampouco tem culpa. Na verdade ele parte de uma realidade midiática que é a realidade de hoje da qual em maior ou menor escala quase ninguém escapa. Se uma atriz de televisão entra inesperadamente num spa que você costuma freqüentar, um frêmito espalha-se pelo ambiente e todas as pessoas que ali estão, mesmo as que ali trabalham sossegadamente, são tomadas de súbito frisson. E tudo se modifica de repente, ninguém mais se comporta como de hábito e a própria atmosfera da sala parece iluminada. E é assim mesmo, porque vivemos todos num mundo inventado, um mundo de símbolos e imagens, que são o sentido de nossa existência. Uma jovem linda, que habita o universo mágico das novelas, ao penetrar em nosso cotidiano banal, provoca um curto-circuito e nos precipita no imaginário.
O mesmo aconteceria se, em vez de uma atriz, aparecesse ali Ronaldo Fenômeno. Nisso todos os famosos se assemelham, mas em outras coisas, não: se num show de sua cantora predileta, ela de repente desafina, nada muda essencialmente; já com o craque de futebol é diferente: se perde o gol, se joga mal, o fã se enfurece, passa de admirador e detrator.
Há quem compare o craque de futebol ao herói. Agora, durante a Copa, isso tem acontecido com Ronaldo, estigmatizado como o herói decadente, o herói que falhou.
Se um jogador de futebol pode ser visto como um herói, não será um herói do mesmo tipo que Aquiles ou Heitor, personagens da Ilíada de Homero, nem como Tiradentes, da Inconfidência Mineira, ou Che Guevara, assassinado em La Higuera, em 1968. Tais personagens não agiam diante das câmeras da televisão nem punham em jogo sua vida para atender a expectativa de admiradores, que deles exigissem a vitória a qualquer custo. Se Aquiles e Heitor, na versão de Homero, bateram-se ante o olhar de gregos e troianos, seus aliados e inimigos, na maioria dos casos, os heróis lutam e morrem anonimamente, levados ao sacrifício por própria e decidida vontade de defender sua pátria ou os valores em que acreditam. Se derrotados, o povo chora-lhes a morte, em vez de culpá-los pela derrota, e maldiz quem os matou.
Não é isso o que ocorre com os craques de futebol, particularmente se alcançam a fama e a glória que alcançou Ronaldo, por sua capacidade de fazer gols e decidir uma partida: não pode errar, não pode falhar, não pode perder.
Na verdade, um jogador de futebol não é um herói, a não ser para os fãs. Tornou-se craque porque, desde menino, tinha prazer em jogar bola e uma capacidade maior que seus colegas de pelada. Tomando como exemplo os craques que via jogar e admirava, decidiu entregar-se de corpo e alma ao futebol e, graças a suas qualidades excepcionais, destacou-se e ganhou a admiração dos torcedores. Mas seu objetivo não era certamente salvar a pátria.
Sucede que, durante a Copa do Mundo, integrando a seleção brasileira que, como disse Nelson Rodrigues é "a pátria de chuteiras" terá que salvá-la. Faz parte do "quadrado mágico" que o técnico inventou e tem agora dificuldade de desinventar, já que nele residiria a chave para chegarmos ao hexa. Está acima do peso? Está sem ritmo? Com bolhas no calcanhar? Que decepção, nosso herói engordou! Lento e lerdo, comprometeu a estréia do Brasil na Copa. É quase um traidor da pátria.
E assim, objeto da expectativa de milhões de pessoas, entra em campo aquele que nunca desejou ser herói e que, ao contrário dos heróis de verdade, não pode fracassar.



 
 

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