Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 27, 2006

Crise do gás - momento de reflexão Opinião Josef Barat

OESP

O setor de energia foi um dos que melhor resistiram ao processo de
desmantelamento dos núcleos de inteligência do Estado brasileiro.
Ainda assim, deixou a desejar no que diz respeito a um planejamento
abrangente e integrado, capaz de coordenar efetivamente os diversos
componentes da nossa matriz energética. Tanto no lamentável episódio
do "apagão" - cujo risco já havia sido apontado por especialistas -
como agora na crise do gás boliviano ficou patente a falta de visão de
longo prazo.

Na verdade, a estagnação econômica de 25 anos atenuou as tendências
históricas de crescimento da demanda por insumos energéticos. No
entanto, a modernização de setores industriais, a forte expansão da
agricultura de alta produtividade e a diversificação dos serviços
impuseram pressões sobre a oferta. Estimulou-se a substituição do óleo
combustível pelo gás natural, bem como a sua utilização veicular, e se
retardou a busca de fontes alternativas renováveis. Em paralelo, os
aumentos de capacidade de geração elétrica foram freados pela redução
dos níveis de investimento público, acarretada pelo colapso dos
mecanismos tradicionais de financiamento.

Nesse período, enquanto dávamos atenção ao curto prazo, alterou-se o
quadro do setor energético mundial. Aumentou a instabilidade na oferta
de petróleo e se ampliaram os questionamentos sobre a implantação de
novas usinas nucleares. A construção de grandes usinas hidrelétricas
passou a ser condicionada a restrições ambientais, especialmente na
concessão de financiamentos por parte de organismos multilaterais de
crédito. Por outro lado, aumentaram as reservas mundiais e a oferta de
gás natural, com maior participação desta fonte nas matrizes
energéticas dos países desenvolvidos. Para os próximos 25 anos não são
previstas, nesses países, grandes variações na estrutura da oferta
interna. O gás natural é o único energético que aumentará mais
sensivelmente a participação, deslocando, principalmente, o carvão
mineral. O petróleo e a energia nuclear apresentarão pequena perda de
participação, enquanto as fontes renováveis deverão crescer.

No Brasil houve um inegável esforço de reestruturação institucional do
setor elétrico, buscando a consolidação de um modelo de regulação. Não
há, todavia, nitidez nos papéis dos agentes públicos e privados. Não
se conseguiu, ainda, encontrar um rumo consistente para o término das
obras paralisadas das grandes usinas geradoras, com participação do
capital privado em parcerias ou concessões. Tornou-se urgente, também,
a construção de novas usinas hidrelétricas de médio porte. No setor de
petróleo houve, sem dúvida, uma política de preços que preservou a
capacidade de geração de recursos endógenos para investimentos,
culminando com a recém alcançada auto-suficiência. No entanto, não
tivemos políticas abrangentes para os combustíveis que integrassem
petróleo, gás natural e álcool em termos de planejamento e operação.
Após campanhas e estímulos para o uso do gás natural e do álcool -
realçando suas vantagens econômicas e ambientais -, caímos nas
armadilhas da dependência do fornecimento boliviano e do mercado do
açúcar.

Previsões internacionais, baseadas na tendência histórica dos últimos
30 anos, indicam que o Brasil praticamente dobrará seu consumo total
de energia até 2025. Atingiremos cerca de 350 milhões de toneladas
equivalentes de petróleo, embora esse tipo de previsão não leve em
conta a possibilidade de sairmos do lodaçal que trava nosso
crescimento. Se sairmos, o consumo crescerá com mais vigor, pois,
mesmo considerando as tendências de decréscimo da intensidade
energética - pelo maior esforço de racionalização do uso da energia -,
a pressão industrial alterará este quadro.

Apesar da exacerbação das questões ambientais e de se sobreestimar a
auto-suficiência do petróleo, um planejamento de longo prazo não
poderá deixar de lado as vantagens comparativas do Brasil em termos de
energia elétrica. A capacidade instalada hidráulica de 69 GW em 2004
representa um pouco mais de 26% do potencial total brasileiro. Por
outro lado, as tendências mundiais apontam para o gás natural - o mais
limpo dos combustíveis fósseis. A descoberta de novas reservas
nacionais, elevando o seu volume para 498 bilhões de m3 em 2004,
poderá reduzir, no futuro, a dependência da importação de gás natural
de países notoriamente instáveis. É hora, portanto, de refletir sobre
o nosso futuro, afastando-nos dos delírios da vizinhança...

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