Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 30, 2006

Voto nulo, voto branco, reeleição e políticos honestos

PRIMEIRA LEITURA

Voto nulo, voto branco, reeleição e políticos honestos
Por Rui Nogueira

Posso estar chovendo no molhado. Admito até que todos os eleitores já se considerem devidamente esclarecidos sobre três assuntos que estão correndo a internet de maneira insistente. Mas não vou me furtar a tentar contribuir para esse debate.

As caixas de correio eletrônico estão entupidas com uma mensagem que convida os eleitores a protestar, em outubro próximo, contra "tudo isso que aí está". Não gosto muito, ou não gosto mesmo nada dessa  generalização descritiva do momento político, mas vamos adiante porque o protesto é livre e na democracia é proibido proibir. O que  propõem os e-mails que proliferam em ritmo de spam eletrônico? Que os eleitores usem as urnas para votar nulo ou branco.

Alguns e-mails vêm acompanhados de raciocínios aparentemente fundamentados na legislação eleitoral, dando conta de que, se a maioria dos brasileiros votarem nulo, não apenas a eleição será anulada, como os candidatos concorrentes, "esses que aí estão", ficarão proibidos de se apresentar para a nova eleição convocada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essas mensagens atribuem o mesmo poder purificador ao voto em branco.

Um e-mail oferece como remédio para os males eleitorais a opção radical e explícita: "Não escolha nenhum, mas nenhum mesmo dos políticos já eleitos. Não reeleja nenhum deles, escolha políticos novos e sem os vícios dos que já lá estão".

Outra mensagem eletrônica, com um argumento também muito usado nas inserções partidárias que ocupam os horários especiais do rádio e da televisão, pode ser resumida na frase proclamada por uma eleitora que abrilhantou o programa que o Partido Verde (PV) levou ao ar na quinta-feira passada. Convida os eleitores a escolher apenas "pessoas honestas".

Lá vai minha colher torta de contribuição para esse debate:

Votos brancos e nulos: é um direito que assiste qualquer eleitor, mas, indiscutivelmente, votos brancos e nulos são, essencialmente, votos de fuga à responsabilidade democrática. Você não decide, mas esteja certo que alguém decidirá por você! Além do mais, na eleição proporcional (deputados), o voto nulo não conta para ninguém, é nulo mesmo, mas os votos em branco contam para os mais votados. Na eleição para presidente, prefeito e governador (cargos majoritários), votos nulos e brancos não contam para ninguém, são inválidos, mas é balela essa história de que, em uma segunda eleição, se a primeira for anulada, os candidatos da primeira não podem concorrer. Um candidato, especificamente, só fica proibido de concorrer se cometer um delito específico, que leve à anulação da eleição. Eleição anulada pela decisão majoritária do eleitor não veda a participação desses candidatos. E é sonho de uma noite de verão, pois a maioria não foge à responsabilidade democrática.

Reeleição de políticos: A recusa pura e simples em dar o voto a políticos que buscam a reeleição é forma gratuita de criminalizar a política. É, a meu ver, outra forma de lavar as mãos e, como dizem alguns eleitores sinceros nos e-mails comentados, uma maneira de "não perder muito tempo julgando os que aí estão". Chuto um exemplo abertamente: não reeleger um deputado como Cezar Schirmer (PMDB-RS) faz mal à democracia, rouba-lhe alicerces importantes para sustentar os novos valores que chegam ao Parlamento. O último presidente que convocou os eleitores a votar só "em políticos novos" ficou dois anos no Planalto. É salutar renovar, sim, mas o artificialismo com que é rejeitada a reeleição dos bons pode trazer mais prejuízos do que dividendos à democracia. É um argumento sustentado por quem já não gosta muito de política, não gosta de discutir política e se agarra facilmente ao primeiro simplismo que aparece pela frente. É um conforto, uma fórmula.

Políticos honestos: A recomendação para só escolher políticos honestos é o tipo do argumento que resolve o supérfluo, mas não atende ao essencial. É claro que ser honesto não é atributo supérfluo. O que estou dizendo é que  ser honesto é base dada e óbvia para escolhas de políticos, de médicos, de professores, de motoristas, de fiscais, de jornalistas, de garis, de tudo. Fazer profissão de fé na escolha de políticos honestos é uma pirueta mental que não tira o eleitor do lugar. Da mesma maneira que não resolve a vida de ninguém a opção pelo atendimento de um médico incompetente, porém honesto. Fora da escolha tautológica dos políticos honestos, os eleitores devem se perguntar: que políticas eu quero para o meu país, a minha cidade, o meu bairro, a minha família? Que políticos, obviamente honestos, defendem as minhas políticas? Do contrário, se as políticas públicas não forem os parâmetros, e as escolhas se reduzirem à eleição de honestos porque são honestos, recomendo ao eleitor que vote apenas se as freiras carmelitas forem candidatas a santas beatificadas pelo papa.

[ruinogueira@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 30 de abril de 2006.


Arquivo do blog