Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 29, 2006

Celso Ming - O bolo e suas fatias

OESP
O bolo e suas fatias

CELSO MING

Em artigo publicado no diário madrilenho El País, o analista Moisés Naim observou que, na atual arrancada do crescimento econômico, China e Índia conseguiram resgatar 400 milhões de pessoas da pobreza absoluta.

Relatório do Banco Mundial conclui que, entre 1993 e 2001, a população mais pobre do mundo caiu 17,8%. Isso, em princípio, é um êxito da globalização. No entanto, na China, na Índia e quase em todo o mundo, a desigualdade está aumentando.

Isso pode sugerir que a prioridade não deva ser o combate à pobreza, mas o combate à desigualdade. Não se pode negar que houve progresso onde isso foi tentado. Cuba, por exemplo, conseguiu um extraordinário índice de igualdade na população. Mas está muito mais pobre do que estava há 47 anos, quando Fidel Castro chegou ao poder.

Enfim, de que adianta o aumento da igualdade se não há, também, aumento de riqueza? E qual é a qualidade do aumento de riqueza se ela não for igualitariamente distribuída?

A pergunta também pode ser formulada assim: só porque produz alguns milhares de marajás e, portanto, aguça a desigualdade, o crescimento econômico deveria ser adiado até que se encontre a fórmula para obter aumento de riqueza com distribuição eqüitativa? As perplexidades subsistem sobre eventuais respostas a essas perguntas.

Seja qual for o nome que a ele se dê (capitalismo neoliberal, capitalismo de estado, social-democracia ou socialismo), o atual sistema mundial de produção não conseguiu conciliar aumento de riqueza com distribuição eqüitativa da renda. Nos últimos 50 anos, nenhum país com problemas graves de desigualdade de renda obteve vitória sustentável contra ela.

Os líderes da União Européia alardeiam que vêm conseguindo razoável nível de igualdade, graças aos mecanismos do estado do bem estar-social (welfare state). Mas este, mais do que estressado, é um regime esgotado. Os índices de crescimento econômico da União Européia estão entre os mais baixos do mundo, o gigantismo do Estado tornou-se, ele próprio, fator de ineficiência e de empobrecimento da população, os mecanismos de defesa do trabalhador (sistemas de saúde, seguro-desemprego e aposentadoria) estão falidos.

O processo acelerado de globalização aumentou substancialmente o fluxo de capitais e de recursos naturais. O único fator de produção cada vez menos fluente é o da mão-de-obra, porque leis mais rígidas de imigração estão impedindo a integração. Esta é a principal razão porque os custos de mão-de-obra passaram a ser determinantes para localização de indústrias.

Quando em março e nas três primeiras semanas de abril, saíram às ruas, fizeram manifestações e queimaram automóveis para protestar contra a Lei do Primeiro Emprego, os franceses não estavam apenas defendendo seus direitos trabalhistas. Reagiam aos mecanismos globais que, mal ou bem, vêm resgatando chineses, indianos e coreanos da pobreza absoluta. Dá para dizer que a social-democracia, o sistema que prevalece na Europa, vai fazendo oposição reacionária aos movimentos globais de combate à pobreza.

Infelizmente, os progressos reais na superação da desigualdade foram poucos, quaisquer que fossem os regimes ideológico-produtivos adotados para superá-los. No entanto, a consciência da desigualdade e, mais do que isso, a consciência global de que é preciso acabar com a desigualdade aumentaram muito.

Há os que sugerem que se intensifique o acesso à educação. Mas o aumento da escolaridade e do grau de instrução da população não garante superação da pobreza e da desigualdade. Mais ensino capacita o indivíduo a arrebatar uma vaga de trabalho aos menos capacitados. Por si só não cria empregos. A antiga União Soviética produziu uma das populações mais cultas da Europa, mas não criou postos para gente tão bem treinada. A Argentina tem uma população bem instruída, mas continua prostrada. Enfim, são problemas novos do nosso tempo.

ming@estado.com.br


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