Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 26, 2006

Robert Samuelson Não precisamos de trabalhador convidado

ESTADÃO
 
O economista Philip Martin, da Universidade da Califórnia, gosta de contar uma história sobre a indústria do tomate no Estado. No início da década de 1960, os produtores dependiam de trabalhadores mexicanos sazonais trazidos por um programa governamental. Eles colhiam os tomates, que eram processados como ketchup e outros produtos. Em 1964, o Congresso extinguiu o programa, apesar das advertências dos produtores de que sua abolição seria fatal para o setor. Bem, agrônomos desenvolveram tomates oblongos que podiam ser colhidos por máquinas. Desde então, a produção de tomates da Califórnia quintuplicou. É uma história que vale a pena ser lembrada porque, mais uma vez, estamos sendo avisados de que precisamos de um grande número de 'trabalhadores convidados' - trabalhado res não especializados vindos do México e da América Central - para aliviar a 'escassez de mão-de-obra' dos Estados Unidos. Realmente, a escassez supostamente vai piorar com a aposentadoria dos baby boo mers (geração nascida nos anos imediatamente posteriores à 2ª Guerra Mundial). O pre sidente George W. Bush quer um programa sem previsão de término. Os senadores Edward M. Kennedy (democrata de Massachusetts) e John McCain (republicano do Arizona) defendem inicialmente a admissão de 400 mil trabalhadores por ano. O Senado está considerando esses e outros projetos.
Todas são idéias ruins.
Os trabalhadores visitantes vão principalmente legalizar o vasto influxo de imigrantes ilegais de hoje, com a mesma conseqüência - estaremos importando a pobreza. Não porque esses imigrantes não sejam trabalhadores aplicados; muitos deles o são. Nem porque muitos não são absorvidos pela sociedade americana, porque muitos o são. Mas, no geral, não voltam para casa, a absorção é lenta e os exércitos de pobres são constantemente reabastecidos.
De 1980 para cá, o número de hispânicos com renda abaixo da linha de pobreza estabelecida pelo governo (cerca de US$ 19,3 mil anuais em 2004 para uma família de quatro pessoas) cresceu 162%. No mesmo período, o número de brancos não hispânicos na pobreza subiu 3% e o de negros, 9,5%. O que temos agora - e teremos com esse programa - é uma polí tica consciente de gerar pobreza nos EUA, enquanto aliviamos a pobreza do México.
Sob vários aspectos, esse é um mau negócio para os Esta
dos Unidos, pois aumenta as exi gências sobre as escolas, hospitais e habitações locais e fomenta as tensões sociais. Certamen te que alguns americanos obtêm serviço de faxina ou de jardinagem baratos. Mas, se mais pessoas cortassem sua grama ou lavassem sua roupa, isso não seria uma tragédia.
A idéia de que admitir mais
trabalhadores latinos pobres aliviaria as pressões sobre o mercado de mão-de-obra causadas pela aposentadoria dos baby boomers parece meio maluca. Acontece que uma categoria não substitui a outra. Em 2004, entre os trabalhadores imigrantes mexicanos e provenientes da América Central, somente 7% tinham formação superior e quase 60% não tinham concluído o segundo grau, de acordo com o Escritório Orçamentário do Congresso.
Entre os americanos nativos, 32% tinham formação superior e somente 6% não tinham segundo grau. Longe de abran dar os problemas sociais criados por uma sociedade que está envelhecendo, mais imigrantes pobres podem agravá-los por fazer com que aposentados mais velhos compitam com hispânicos mais jovens pelos limitados benefícios do governo. É um mito dizer que a economia dos EUA 'precisa' de mais imigrantes pobres. Os imigrantes ilegais aqui são só 4,9% da força de trabalho, segundo o Pew Hispanic Center. Em nenhuma função importante eles são maioria. Representam 56% dos operários da construção civil e 20% dos cozinheiros.
O que os atrai para cá são as diferenças salariais, e não a es
cassez de mão-de-obra. Em 2004, o salário por hora médio no México era de US$ 1,86, en quanto os mexicanos que trabalhavam nos EUA ganhavam US$ 9 por hora, disse Rakesh Kochhar, da Pew. Como os em pregos que eles pegam se caracterizam pelo alto grau de rotatividade, a maioria dos novos imigrantes ilegais consegue obter trabalho aceitando salários ligeiramente menores.
Dificilmente alguém pensa
que a maioria dos imigrantes ilegais vai partir. Mas o que aconteceria se as novas imigrações ilegais parassem e não fossem substituídas por novos trabalhadores convidados? Bem, al guns empregadores elevariam os salários para atrair trabalhadores americanos. Ao enfrentarem custos trabalhistas mais al tos, algumas indústrias encontrariam formas para reduzir as despesas. Afinal, o que há de errado em pagar salários mais altos para os trabalhadores pobres? De 1994 a 2004, os salários daqueles que não tinham o segundo grau completo subiram somente 2,3% (descontada a inflação), enquanto os salários de quem tinha curso superior tiveram alta de 11,9%.
O presidente Bush diz que seu programa 'vai combinar os
trabalhadores estrangeiros disponíveis com os empregadores americanos dispostos, quando não se consegue achar americanos para essas funções'. Mas, com salário um pouco maior, ha veria americanos disponíveis.
O número de americanos empregados sem o segundo grau caiu 1,3 milhão de 2000 a 2005,
calcula Steven Camarota, do Centro de Estudos Sobre Imigração. Algumas pessoas perdem empregos para os imigran tes. E o desemprego continua alto em alguns grupos - 9,3% entre afro-americanos e 12,7% entre adolescentes brancos.
As entidades empresariais apóiam esses programas. Elas gostam de mão-de-obra barata e ignoram as conseqüências so
ciais. Mas o que é mais perturbador é por que os liberais, opo sitores da pobreza e da desigualdade, defendem um programa que piora a pobreza e a desigual dade. Trabalhadores imigrantes pobres lesam os salários de americanos sem qualificação profissional. A única pergunta é em quanto. Estudos indicam que a faixa de redução de ganhos vai de insignificante a quase 10%, segundo o Escritório Or çamentário do Congresso.
O que se diz é que é melhor ter trabalhadores convidados do que imigrantes pobres ile gais. Com situação legalizada, eles têm direitos e proteções.
Têm mais paz de espírito e enfrentam menos exploração dos empregadores. Isso seria convincente se sua premissa fosse incontestável - que não conseguimos controlar nossa frontei ra ao sul. Mas essa premissa não está comprovada. Nunca tentamos implantar uma políti ca de barreiras de verdade e aplicar rigorosamente a lei contra empresas que contratam imigrantes ilegais. Até que isso se demonstre ineficaz, não deveríamos adotar programas de trabalhadores visitantes que não resolvem problemas so ciais, mas sim os aumentam.
Robert Samuelson escreve para o The Washington Post

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