Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 27, 2006

Da dança ao lixão

Da dança ao lixão
Artigo - Fernando de Barros e Silva
Folha de S. Paulo
27/3/2006

Faltava à impunidade uma imagem. Ela veio na forma de coreografia, envolta em trajes amarelos, cheia de malemolência, brasileiríssima, como se o próprio Duda Mendonça a tivesse imaginado. A "requebra" de decoro da deputada Angela Guadagnin foi a homenagem involuntária que ela e o PT prestaram à democracia que ambos só fazem aviltar.
A farra dos mensaleiros vinha se beneficiando, de um lado, de certa desatenção de uma imprensa preocupada demais coma novela tucana e as agruras de Palocci, e, de outro, da exaustão do público, já saturado de escândalos e quase sem fôlego para acompanhar a sorte daqueles que foram beneficiados pela mala preta de Valério.
Incansável pizzaiola, engajada desde o início, no processo de Zé Dirceu, em obter a medalha de honra ao mérito da tropa de choque dos mensaleiros, Guadagnin tanto fez e rebolou que conseguiu reacender os holofotes sobre o palco onde seus pares já atuavam à meia-luz, quase na penumbra.
Médica como seu colega Palocci, doutora Guadagnin forneceu o antídoto para o efeito anestésico que o próprio excesso de escândalos havia provocado na sociedade.
A analogia é irresistível: como no caso da dançarina do "Cabaré Mineiro" -famoso poema de juventude de Carlos Drummond de Andrade-, "cem olhos brasileiros estão seguindo/ o balanço doce e mole de suas tetas". Agora será mais difícil -ou no mínimo mais constrangedor- absolver o ex-presidente da Câmara João Paulo. Também será, ou deveria ser, mais complicado deixar escapar o deputado José Mentor. Veremos.
O PT, porém, insiste em tripudiar sobre este mínimo que a democracia lhe cobra. Ou, pior: o PT está cobrando um preço alto demais da democracia. O que se pode ainda esperar de um governo que viola o sigilo bancário de um Francenildo para limpar a barra do seu ministro da Fazenda?
O constrangimento contra alguém já socialmente humilhado, o atropelo das garantias e liberdades individuais, o estupro do Estado de direito -tudo aponta para um nítido quadro de delinqüência patrocinada pelo Estado.
Antes era caixa dois, não era "mensalão". Agora é vazamento, não é violação. O enredo soa tanto mais kafkiano na medida em que sua inspiração stalinista aparece como algo acidental, como se ninguém da cúpula do governo tivesse nada a ver com a história.
O governo busca "normalizar" um quadro anômalo, ao mesmo tempo em que tenta se "desresponsabilizar" pelos crimes que cometeu. É cínico e mentiroso. Esses são hoje os traços distintivos do modo petista de governar. Isso vale para Lula, vale para Guadagnin, vale para todos. Márcio Thomaz Bastos é ministro da Justiça do país ou advogado de defesa do PT?
  O "banho de ética" prometido por Geraldo Alckmin ao Brasil acaba de se tornar uma ducha de água fria com a excelente reportagem de Frederico Vasconcelos, nesta Folha, a respeito do "lixão" -como eram chamados os anúncios da Nossa Caixa politicamente direcionados pelo governo do Estado, tudo por baixo do pano.
Isso para não falar nas 400 peças de alta-costura de dona Lu, todas "doadas" pelo estilista Rogério Figueiredo. Pois é. Os alckmistas estão chegando, estão chegando os alckmistas.

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