Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Olhando para o futuro LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS




Folha de S. Paulo
24/2/2006

Por várias vezes, nos últimos meses, tenho manifestado ao leitor da Folha meu otimismo sobre o futuro da economia brasileira. A primeira mudança que chamou minha atenção foi a das contas externas brasileiras. Por conta do rumo correto seguido na política econômica durante os anos FHC e mantido no governo Lula, pudemos colher os frutos de transformações que vêm ocorrendo hoje no mundo. O resultado foi uma melhora extraordinária no nosso balanço de pagamentos, que levou à redução do risco cambial da economia brasileira. Por conta disso, está em curso uma inversão da dinâmica perversa da inflação, outrora muito ligada a desvalorizações abruptas da taxa de câmbio.
Já escrevi sobre isso várias vezes, e o comportamento do mercado financeiro nas últimas semanas é prova inconteste de que estava certo. Os juros de médio e longo prazos tiveram redução significativa sob o peso do comportamento dos investidores internacionais. A barreira tão alardeada de 10% nos nossos juros reais, uma espécie de "linha Maginot" construída por divagações teóricas de muitos, foi ultrapassada com facilidade nas últimas semanas pelos títulos mais longos e, em breve, isso ocorrerá também com a taxa Selic.
Mas ainda está no ar um discurso quase religioso sobre a questão fiscal. Nossa história de irresponsabilidade em relação às contas públicas teria criado uma herança que nunca nos deixaria evoluir para uma economia estável e com crescimento econômico mais forte. Apenas uma reforma de grandes proporções e com grande custo político nos abriria a porta desse verdadeiro paraíso. Alguns analistas inclusive ganharam as manchetes dos jornais com propostas radicais, como o estabelecimento do déficit fiscal zero em nossa Constituição. Sem dúvida, a questão fiscal é o grande obstáculo a ser enfrentado pelo próximo presidente da República, mas há boas razões para otimismo também nesse campo. Vejamos.
Como já havíamos feito com a questão do balanço de pagamentos, eu e o Paulo Miguel, economista-chefe da Quest, resolvemos explorar a situação fiscal brasileira racionalmente. Para isso, construímos um cenário para os próximos dez anos a partir de algumas premissas básicas. Resolvemos evitar modificações que exigissem um esforço, político e de opinião pública, inviável dentro de nosso quadro atual.
Consideramos uma aceleração gradual do crescimento do PIB para 5% ao ano nos próximos anos, uma trajetória de redução gradativa dos juros reais para 5% em 2010, uma continuidade no déficit da Previdência Social da ordem de 2% do PIB, uma expansão do restante dos gastos do governo em linha com a inflação e um aumento gradativo nos investimentos públicos para 1,5% do PIB, recuperando assim os melhores momentos do passado. Além disso, seria submetida ao Congresso uma emenda constitucional semelhante (mas não igual) à de 1995 e que recebeu o nome de Fundo Social de Emergência. A idéia é dar ao governo liberdade total sobre a parcela de crescimento real da receita por um período a ser negociado com o Congresso. A contrapartida a essa desvinculação no Orçamento seria o compromisso com a redução dos juros reais e um maior crescimento econômico.
No cenário construído, a flexibilidade de gestão da política fiscal cresceria de forma importante ao longo do tempo, dando um grau de segurança muito grande para nosso desenvolvimento. De um déficit nominal de 3,3% do PIB em 2005, passaríamos para um superávit entre 2008 e 2009, que atingiria 1,5% do PIB em 2010, último ano do mandato do próximo presidente. Já a relação dívida/PIB passaria de 51,6% do PIB em 2005 para 34% em 2010.
Se no próximo mandato esse pequeno esforço fiscal for realizado, aliado a uma gestão inteligente da política monetária, será possível tirar da nossa frente o eterno fantasma do desequilíbrio fiscal e do endividamento público excessivo. Esse é um estudo conservador nas hipóteses, pois a experiência internacional demonstra que a aceleração do crescimento facilita o trabalho do gestor público. Os resultados podem ser ainda melhores.

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