Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 25, 2006

AUGUSTO NUNES O Tio dos Pobres é a Mãe dos Ricos

JB


Lucro da elite financeira em 2005

O Piauí é o Botafogo da política. Há coisas que só acontecem no alvinegro carioca. Há coisas que só acontecem no Piauí. Um governador chamado Mão Santa, por exemplo. E outro nascido no Oregon, nos Estados Unidos. Filho de diplomata, Hugo Napoleão tornou-se brasileiro já no batismo. Mas foi bebê americano. Coisas do Piauí.

É compreensível que Lula da Silva, licenciado da Presidência da República para dedicar-se à reeleição, tenha reservado a Parnaíba, no interior piauiense, a mais delirante apresentação da turnê do candidato. “Todo homem público faz campanha 365 dias por ano, da hora em que acorda à hora em que dorme”, berrou Lula no meio do improviso. Pelas contas do viajante, a caça ao voto cancela até almoços e jantares. Depois de ter renunciado à bebida, Lula aboliu também a comida. Candidato em campanha tampouco desfruta de feriado, dia santo ou fim de semana.

Quantos minutos do ano sobram para os papéis que exigem os garranchos do presidente? Lula não lida com tais irrelevâncias. Se perdesse tempo no palácio, não teria operado tantas façanhas espetaculares em tão curto espaço de tempo.

“Duvido que desde que o Brasil foi descoberto teve algum governo que cuidou dos pobres da Bahia do que nós estamos cuidando neste governo”, gabou-se em Juazeiro. A frase avisa que o maior estadista em cinco séculos só não cuida bem do idioma.

No giro nordestino, tratou de sedimentar a imagem de Tio dos Pobres (Pai foi Getúlio Vargas, avisam livros de História). Os balanços divulgados há dias pelos grandes bancos brasileiros sugerem que Lula logo poderá proclamar- se a Mãe dos Ricos.

Na terça-feira, o Itaú festejou um lucro anual de R$ 5,251 bilhões. O recorde não durou 24 horas. Foi superado no dia seguinte pelo Bradesco, com uma cifra jamais alcançada por qualquer banco da América Latina: R$ 5,514 bilhões. A procissão de zeros compraria cerca de 2,5 milhões de bolsas-família.

Deve-se ressalvar que a festança no mundo financeiro começou no governo Fernando Henrique. Em três anos de governo Lula, contudo, o lucro líquido dos cinco maiores bancos foi superior em quase 30% ao registrado nos oito anos da Era FH. O governo e os bilionários estão de parabéns.

É natural que o baronato dos cifrões esteja satisfeito com o presidente que, durante a campanha, prometeu dar um jeito na volúpia da turma. “Já fiz muito mais do que a elite que governou o país por quase 500 anos”, recitou o orador no Maranhão. Não explicou que espécie de elite lhe parece inimiga. Pelo menos a elite banqueira não tem motivos para queixar-se de Lula.

PSDB decide lançar Serra

Amigos de fé do prefeito José Serra garantem que vem aí o segundo duelo eleitoral com Lula da Silva. A fumaça branca subiu aos céus com o jantar que reuniu no restaurante Massimo, em São Paulo, Fernando Henrique, Tasso Jereissati, Aécio Neves e Serra. Inaugurado há 30 anos, o Massimo costuma concentrar freqüentemente um terço do PIB nacional. Ali não ocorrem encontros, mas comunicados silenciosos.

Obsessivo vocacional, Serra já pensava na Presidência da República quando ainda aprendia a falar no bairro da Mooca. Sabe que sairá contundido do gabinete que jurou ocupar por quatro anos. Mas sabe que é a última chance de chegar ao Planalto. Em 2010, o PSDB não topará uma aventura liderada pelo candidato. Serra terá completado 66 anos. Será a vez de tucanos como Geraldo Alckmin ou Aécio Neves.

Tribunal revoga lições de Nuremberg

Defensores da pena de morte argumentam que uma figura com traços humanos freqüentemente camufla a fera perigosa. Não há diferenças entre o homicida patológico e o cão raivoso, entre o estuprador compulsivo e a víbora. Todos devem morrer. Não faz sentido preservar a vida de animais enlouquecidos, alegam os defensores da pena de morte.

Havia gente assim entre os 111 prisioneiros liquidados no Massacre do Carandiru, em outubro de 1994. Mas o grupo incluía autores de pequenos delitos, suspeitos à espera de julgamento e inocentes engaiolados arbitrariamente. Foram condenados à execução sumária pelo coronel Ubiratan Guimarães, comandante da mais espantosa chacina ocorrida nos cárceres do Brasil.

Um júri popular decidiu que o coronel agira “no estrito cumprimento do dever”. Obedecera a ordens do governador Luiz Antônio Fleury, o “Marechal do Carandiru” (foto), e do secretário de Segurança Pedro de Campos.

Mas praticara “excesso doloso”, entenderam também os jurados. Era, portanto, culpado. Brasileiros comuns sabem enxergar o homicida por trás do herói de araque. A juíza encarregada do caso condenou o réu a centenas de anos de prisão. A sentença acaba de ser revogada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que reinterpretou a decisão do júri popular e absolveu o coronel. Sim, ele cometera excessos (111, pelo menos). Mas ordenara o fuzilamento em massa por ser um disciplinado cumpridor de ordens.

No Tribunal de Nuremberg, os criminosos nazistas invocaram a mesma falácia. Foram condenados à forca, à prisão perpétua ou a longas temporadas na cadeia. Decerto seriam absolvidos pelos desembargadores de São Paulo.

Quatro anos desperdiçados

Além da sensatez, juristas independentes recomendam a subordinação dos bancos às regras do Código de Defesa do Consumidor. Não pensam assim a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em 2002, o STF começou a julgar a ação da Consif que tenta liberar os bancos do dever de respeitar a freguesia. Depois de dois votos contrários aos banqueiros, entrou em cena – sempre ele – o ministro Nelson Jobim, que pediu vista do processo. Passados quatro anos, Jobim considerou-se pronto para votar. O julgamento recomeçou na semana passada. Jobim votou contra os consumidores.

Com 2 a 1 no placar, foi a vez de Eros Grau fazer o pedido de vista. Vai ajudar os banqueiros. Tomara que não leve quatro anos para votar.

Assassinato de um poeta

O casario colonial de Ouro Preto emoldurou a cerimônia de posse do novo presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. Luiz Fernando Almeida é o nome dele. Como Lula avalizou a indicação do ministro Gilberto Gil, Almeida decidiu homenagear o chefão. Dispensou papéis e caprichou no improviso.

“Prefeito Ângelo Oswaldo”, decolou, “é um orgulho ter um prefeito como você, com a sua trajetória de contribuições para a cultura do país e sua energia contagiante, obrigado pela recepção”. Espanto na platéia. O piloto partiu para a estratosfera. “Tem um poema do Rilke que começa sempre com o mesmo verso: ‘todo anjo é terrível’. Eu também acho. Obrigado”.

O Iphan, o Brasil e Rilke não merecem isso.

O drama começou há oito anos

O enredo da escola de samba Viradouro trata da arquitetura brasileira. O tema permitiu aos carnavalescos de Niterói tanto celebrar figuras admiráveis, como Oscar Niemeyer, quanto exumar indivíduos que imploram por um capítulo na história universal da infâmia. Sérgio Naya, por exemplo.

O construtor de prédios de areia inspirou a criação de uma ala e um carro alegórico destinados a lembrar a tragédia do Palace 2, edifício que desabou em 22 de fevereiro de 1998. Passados oito anos, Naya segue impune. As vítimas receberam 10% da indenização a que têm direito.

Na quarta-feira, a paisagem da rua que hospeda o Fórum do Rio incorporou o bolo de aniversário produzido pelos brasileiros traídos por Naya. Nada havia a comemorar. Não se festeja um drama.

O desabamento do Palace 2 matou oito habitantes, destruiu o patrimônio de 120 famílias. E sepultou entre os escombros centenas de histórias de vida.

Retratos, objetos pessoais, a cadeira em que se acomodaram várias gerações, lembranças especialmente queridas – tudo desapareceu naquele 22 de fevereiro. À liquidação do passado se somariam horizontes nublados pela desesperança, pela ausência de critérios claros na distribuição de indenizações e pela exasperante lentidão da Justiça. Os tribunais só foram ágeis no julgamento de Naya e do engenheiro Sérgio Murillo, responsável pela obra.

Condenados por crime culposo, apelaram e acabaram absolvidos. O Ministério Público recorreu da decisão. O processo está parado desde 2004. Nesse ano, o leilão do Hotel Saint Paul, em Brasília, rendeu R$ 7,78 milhões. Mais R$ 7,40 milhões foram obtidos no ano seguinte, com o leilão do Hotel Saint Peter. Outros R$ 20 milhões vieram da venda de um shopping.

Mas o desfecho parece distante. Quase R$ 13 milhões aguardam decisão judicial no Banco do Brasil. O resto espera que o país tome vergonha.

Aqui como no meio da selva

O leitor Júlio César Antunes, estudante de medicina, escreveu à coluna para fazer reparos à nota publicada domingo passado, tratando de carências na área da saúde que afligem cidades do Amazonas. Antunes informa que a pouco excitante rotina dos grotões é só um dos motivos do desinteresse pelos empregos oferecidos (e bem remunerados). Há outros, como a deficiente infra-estrutura. Nesses lugares, faltam equipamentos elementares.

Nenhuma surpresa: carências absurdas já afetam metrópoles como o Rio e agridem grandes hospitais públicos. Na emergência do Hospital Municipal Souza Aguiar, a maior da América Latina, não existem aparelhos de ultrasom, que permitem exames baratos e pouco invasivos.

A selva é também aqui.

augusto@jb.com.br [26/FEV/2006

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