Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 28, 2006

VEJA O novo marqueteiro de Lula também é investigado

O mestre e o aprendiz

O novo marqueteiro do presidente Lula
é um ex-sócio de Duda Mendonça em
campanhas feitas com dinheiro de caixa dois


Otávio Cabral

Fotos Ana Ottoni/Folha Imagem e Valter Campana/ABR
Duda Mendonça e João Santana: ligações com doleiros e contas secretas no exterior

Envolvido em fraudes que vão de recebimento de dinheiro clandestino no exterior a estelionato eleitoral por uso de contratos falsos e caixa dois, o marqueteiro Duda Mendonça anunciou que não vai mais trabalhar em campanhas políticas. Com a aposentadoria precoce de seu principal marqueteiro, o PT elegeu o sucessor de Duda para a provável campanha à reeleição do presidente Lula. O escolhido é o jornalista João Cerqueira de Santana Filho, 53 anos, proprietário da JF Comunicação. Desde o fim do ano passado, depois que Duda confessou ter recebido dinheiro de caixa dois em uma conta secreta nas Bahamas, Santana passou a ser o responsável pela estratégia de comunicação pessoal do presidente da República. Ele dá dicas sobre discursos, sugere pronunciamentos e até já criou um mote para a campanha. O "Lulinha paz e amor" de Duda Mendonça em 2002 agora vai tentar convencer os eleitores de que o melhor do governo é ele mesmo, o presidente. João Santana, o novo alquimista, é um aprendiz de Duda Mendonça, não só nas criações geniais. Assim como o mestre, ele tem contas secretas no exterior. Também como o mestre, ele foi sócio da A2CM Limitada, a empresa que Duda utilizava para fazer suas campanhas com dinheiro clandestino.

Mestre e aprendiz trabalharam juntos por dez anos e foram sócios em várias empresas de comunicação e publicidade. A sociedade na agência A2CM durou até dezembro de 2003, quando a empresa foi extinta. Documentos publicados por VEJA há duas semanas revelaram que a agência oferecia pacotes eleitorais mais que atraentes a políticos que usam caixa dois nas campanhas. Duda, além de forjar um contrato subfaturado para ser apresentado à Justiça Eleitoral, ainda colocava sua agência à disposição para arrecadar dinheiro de empresários que não queriam doar oficialmente. Nesses casos, o publicitário simulava um serviço qualquer para a empresa, emitia nota fiscal, descontava os impostos e usava os recursos para se pagar. No Rio de Janeiro, o Ministério Público descobriu que a mesma A2CM aplicou uma outra tecnologia de arrecadação. Em 1998, por ordem do então candidato à reeleição, Marcello Alencar, as agências de publicidade que venceram a licitação do governo foram obrigadas a repassar metade de seus contratos à empresa de Duda e Santana. O proprietário de uma das agências envolvidas revelou, então, que a terceirização tinha como objetivo a reeleição de Alencar.

Marcos D' Paula/AE
Lula inaugura ponte com o presidente do Peru: a ordem do marqueteiro é aparecer


João Santana, que é conhecido pelo apelido de "Patinhas" por ser pão-duro, como o personagem de Walt Disney, coordenou várias campanhas da A2CM, alimentadas com dinheiro de caixa dois. Em 2001, ele chegou a integrar a equipe de Duda Mendonça que elaborou a pré-campanha petista – aquela cuja peça mais famosa era a de um rato roendo a bandeira brasileira. Mestre e aprendiz, porém, se desentenderam no ano seguinte, às vésperas do início da campanha presidencial de Lula. O motivo alegado foi disputa de vaidade, mas a separação se deu mesmo por dinheiro. Patinhas descobriu que tinha sido passado para trás na hora de dividir o lucro da campanha de Eduardo Duhalde, então candidato a presidente da Argentina, em 1999. O combinado era que cada um ficaria com metade do lucro. Duda cumpriu rigorosamente o contrato, mas só a parte oficial. Os recursos que entraram por fora, via caixa dois, foram integralmente para as contas do publicitário no exterior. Patinhas descobriu e decidiu romper a sociedade. Desde então, o jornalista segue carreira-solo, na trilha do mestre, com igual sucesso. Se terá o mesmo destino ainda é uma questão em aberto.

O aprendiz começou a assumir o lugar do mestre em outubro, pelas mãos do ministro Antonio Palocci, seu cliente na bem-sucedida campanha à prefeitura de Ribeirão Preto. Lula, logo na primeira conversa que teve com o marqueteiro, em outubro do ano passado, gostou do que ouviu . Patinhas aconselhou o presidente a defender os avanços da economia, principalmente as conquistas das classes mais pobres da população. Lula deveria não só destacar como também personificar essas conquistas. Em outras palavras, deveria puxar para si a responsabilidade pelo que acontece de bom no governo. "O João Santana defende que o Lula troque o slogan 'Lulinha paz e amor' por algo na linha pai dos pobres. Ele tem de fazer o discurso que usou no primeiro mandato para cuidar da economia e da população mais carente, assim tem chance de ganhar a eleição", afirma um assessor direto do presidente. Outro conselho de Santana incorporado por Lula foi o de ter uma ação de governo mais ofensiva, para que as denúncias de corrupção não continuem dominando o debate político. A dica produziu resultados. Nas últimas semanas, Lula tem sido questionado sobre ações de governo, como a operação tapa-buracos e suas viagens eleitoreiras, deixando a corrupção em segundo plano. O presidente também passou a viajar mais e pretende convocar cadeia de rádio e TV sempre que o governo tiver alguma notícia considerada boa.

Patinhas aparentemente também herdou do mestre a alergia por pagar impostos e a compulsão para mandar dinheiro para fora do Brasil usando vias clandestinas, como doleiros e contas secretas em paraísos fiscais. Reportagem publicada na quinta-feira passada pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que o Ministério Público Federal já rastreou 528.000 dólares enviados pelo jornalista através de uma empresa para as Ilhas Virgens Britânicas. A movimentação ocorreu entre 1999 e 2000, período em que Duda também recebeu mais de meio milhão de dólares em transferências clandestinas. As operações, assim como as de Duda, foram feitas por meio do BankBoston International. Assim como no caso de Duda, o dinheiro foi remetido através do doleiro paulista Roger Clement Heber. Assim como no caso de Duda, foi usada a mesma conta e o mesmo banco nos Estados Unidos. Assim como Duda, João Santana não declarou o dinheiro. Assim como Duda, ele também se reúne uma vez por semana para aconselhar o presidente Lula. Como bom aprendiz, Santana está trilhando o caminho do mestre. Procurado por VEJA, ele mandou dizer apenas que o dinheiro foi mandado ao exterior como investimento.

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